sexta-feira, 29 de junho de 2012

A Queda de Ícaro

Dizem que um dragão sempre luta de frente para o inimigo, acabando por deixar a retaguarda desprevinida. Quantas vezes lutamos assim, desprevenidamente?

Li uma das mais belas páginas sobre o tema no livro “A casa do meu avô”, de Carlos Lacerda. Na página 183, encontra-se o seguinte texto, no qual hoje me reconheço sensivelmente.

"Da raça de Ícaro dificilmente sobra alguém. Sempre chega a hora em que as asas que pretenciosamente nos damos derretem-se ao sol. E caímos, de qualquer altura. Recentemente, publicou-se um livro que analisa, ampliado e explicado cada pormenor, o quadro de Brueghel que está no museu de Bruxelas, A Queda de Ícaro. Esse quadro por si só vale a viagem à Bélgica. O mais extraordinário ali, a par da pintura, que engloba tantos símbolos e propõe tantos enigmas, é que Ícaro cai no mar mas nada se perturba, em redor.
Do homem que partiu à conquista do espaço, do bicho da terra fascinado pela amplidão, vê-se ainda uma perna. Afora essa perna patética que sobrou da sua derrota, a superfície das águas permanece inalterada. Nada flutua do seu corpo, nem do espírito sobre as águas. Continua o lavrador a sua labuta, o navio a sua rota, a ilha permanece cercada de água por todos os lados, para não deixar de ser uma ilha, os carneiros continuam acarneirados sob o gesto imemorial do pastor que guarda a sua submissão. O céu não dá mostras de cólera nem de indulgência – o céu a que Ícaro pretendeu alçar-se não conhece o perdão. Nada, nada se altera. A intolerável pretensão, o desafio à mediocridade e ao conformismo, que mereceram castigo tamanho, recebem o merecido. A vingança das potestades que ele desafiou está consumada. A queda de Ícaro é a seca advertência a toda rebeldia, a imposição do conformismo. A consagração da mediocridade como regra de bem viver. Tudo em redor vai bem. Ícaro já desapareceu nas águas. Ninguém se dá conta, naquela paz excessiva e suspeita de que um dia essas águas crescerão sobre o mundo, a ilha, o pastor, as ovelhas, os símbolos, as alusões afinal decifradas nesse que tem a força de uma profecia. Depressa todos se conformam, procuram esquecer o episódio..."



Na mitologia grega, Dédalo e seu filho Ícaro foram aprisionados na ilha de Creta. Dédalo, um inventor, usou seu talento para construir dois pares de asas, com os quais ele e seu filho poderiam fugir de sua prisão. O inventor advertiu seu filho Ícaro para que este não voasse muito alto, mas Ícaro ignorou o conselho do pai. Ao subir muito, o sol derreteu a cera que mantinha as asas coladas às costas do jovem, que caiu no mar e se afogou.

O tema inspirado na lenda de Ícaro tem sido tratado desde a Antiguidade, mas não da maneira como Pieter Brueghel o abordou em seu quadro de 1558, A Queda de Ícaro. O pintor deixou de enfatizar a tragédia pessoal do menino para ater-se às reações das pessoas ao redor do acontecimento. Em vez de pintar Ícaro no céu, caindo, Brueghel mostra o jovem já na água. Seu pai, Dédalo, não é retratado na pintura. As únicas partes visíveis de Ícaro são suas pernas, que também já estão desaparecendo no mar. Sua morte, entretanto, não provoca sequer uma onda, e ninguém parece se importar com a situação. Não fosse o título da obra, da mesma maneira, os espectadores poderiam facilmente ignorar esse detalhe narrativo. Na realidade, nenhuma das atividades rotineiras presentes na cena é interrompida pela morte de Ícaro.

Ficha Técnica do quadro
Autor: Pieter Brueghel, O Velho
Onde: Museu Real de Belas-Artes, Bruxelas, Bélgica
Ano: 1558
Técnica: Óleo sobre tela (transposto de um painel)
Tamanho: 73,5cm x 112cm
Movimento: Renascimento Nórdico (Brueghel era flamengo, nascido em Flandres)


Fontes:
- A casa do meu avô, Carlos Lacerda – Ed. comemorativa – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005
- Site Universia.com.br - Projeto Um Pouco de Arte para sua Vida




domingo, 17 de junho de 2012

Adriano, aconteceu outra vez(2) !


No meu post anterior, Sustentabilidade e outros quetais, de anteontem, um amigo deixou um comentário que, ao começar a responder, percebi que ficaria tão grande que, mais uma vez (isso já aconteceu com outros comentários dele em posts meus), transformei em novo post para o blog. Eis o comentário do meu amigo Adriano e minha resposta.

Eliane, todo esse papo de sustentabilidade que fala-se mundo afora não passa de uma nova era consumista com novos focos. Resta saber quem são os principais interessados (estão lá no chamado primeiro mundo, é claro) e qual será sua modalidade exclusiva de exploração das praças consumistas.

Eu sou contra o uso de sacolas de papel, pois não temos no Brasil a cultura de separação do lixo nas residências e nem um sistema de coleta seletiva eficiente que recicle no mínimo 70% das sacolas que seriam utilizadas nos supermercados.Isso seria, a médio prazo, um prato cheio para as madeireiras e as indústrias de celulose, e o tiro sairia pela culatra quando pensarmos simultaneamente em sustentabilidade e meio ambiente. Não haverá tempo hábil para reflorestar e produzir papel na velocidade de sua utilização e consumo.A não ser que essa campanha seja realizada simultaneamente com a reeducação alimentar, a queda da demanda por carne bovina e utilização de pastos para o plantio de árvore... enlouqueci agora!! KKKK 
Primeiro o governo precisa arrumar a casa para depois implantar as mudanças.
Boralá. Abraços!
Adriano


Não Adriano, você não enlouqueceu, meu anjo. Ao contrário. Ihhh... Tenho tanto a falar aqui que já estou escrevendo em forma de post-resposta. rsrsrs

Como você mesmo disse, boralá... Adriano, só para variar, né?!, estou totalmente de acordo com você. As sacolas de papel apareceram no texto por conta do próprio motivo que me levou a escrever o post, a foto da sacola. Lembrei-me que eu mesma cheguei a pegar a época em que saía do mercado com um “sacão” de papel enorme nas mãos.

Entretanto, você está certíssimo quanto ao papel. Vou dar o exemplo de como é uma ida ao mercado na Europa. Vou usar a Europa porque minha filha morou mais de um ano em Milão estudando e estive com ela um bom tempo. Lá, todos têm seus carrinhos de compras (aqueles com rodinhas que nossas mães usavam para ir à feira) para ir ao supermercado, que, aliás, não tem nada de super nem de hiper, são todos pequenos ou médios dentro das cidades.

Na Itália, supermercados e/ou shopping centers só são encontrados em localidades fora das cidades, na periferia mesmo, que lá não é ruim ou feia, ao contrário, é apenas um local planejado mais recentemente (já que as cidades europeias são antigas e preservadas) para ser área industrial e comercial de suporte às cidades. E aqui cito outro fato que me chamou a atenção. Nestas áreas comerciais, às quais se vai de carro, vemos as placas de sinalização nas estradas indicando na língua local “centro comercial”. Não me lembro de ter visto nada onde se pudesse ler shopping center ou “malls”. Na França é a mesma coisa.

Desculpem-me pelo “hipertexto”... Voltando aos carrinhos de compras, as pessoas entram com eles no mercado e colocam as coisas que desejam comprar dentro deles. Eu mesma cansei de fazer isso em vários mercados diferentes. Eu entrava morrendo de medo de ser surpreendida por algum segurança dizendo que aquilo não era permitido dentro do mercado. Mas lá é totalmente normal! Entrar com bolsas em estabelecimentos comerciais é normal e jamais me senti com mil olhos atrás de mim achando que eu poderia “subtrair” algum produto exposto. Obviamente há câmeras. Mas o sentimento que se tem como cliente é muito diferente.

Desculpem-me pelo “hipertexto”(2)... Voltando ao carrinho mais uma vez... Depois que você fez suas compras e seu carrinho já tem o que desejava, basta dirigir-se ao caixa e colocar os produtos para serem registrados e recolocados nos carrinhos. É neles que você leva, tranquilamente, para a casa suas compras. Embalagens? Para quê? Os produtos comprados já estavam embalados. Tanto é que estavam expostos nas gôndolas, prontos para o manuseio.

O problema, Adriano, é que isso não pode ser a regra no Brasil. Até porque nossas cidades não estão prontas para sairmos de casa com um carrinho de compras e ir até o mercado mais próximo. Nosso modelo de cidade, infelizmente, é aquele em que temos de tirar o carro da garagem para ir à padaria, à farmácia etc etc. Essa é uma questão cultural. Refiro-me ao modelo das cidades. Mesmo Brasília não absorveu o modelo de áreas comerciais como foram planejadas. Os hipermercados venceram lá também.


Tenho a plena certeza de que se quisermos que o planeta Terra sobreviva, e com ele a espécie Homo sapiens sapiens, não há outro caminho que não seja este que você começou a descrever; passando por uma modificação profunda na economia mundial, que não mais poderá ser centrada no consumo desenfreado e de produtos descartáveis. Esse caminho não foi o correto e temos de dar meia volta o mais brevemente possível. E quando falo em consumo desenfreado, eu teria que tocar num assunto considerado politicamente incorreto, a super população mundial. O planeta simplesmente não suporta a quantidade de gente que hoje há nele. Quem acredita que o problema não é a quantidade e sim a má distribuição do solo, da renda etc., está caindo num baita engodo, fruto de falácia comodista de religiões, partidos políticos, blá blá blá. Portanto, não me estenderei nesse item. Quem sabe numa outra vez...

Reeducação alimentar, queda da demanda por carne bovina e utilização de pastos para o plantio de árvores e outros vão ao encontro direto do que terá de ser repensado (talvez feito mesmo) mais dia, menos dia.

Quanto à casa, penso apenas que, em fazendo a arrumação, o governo já deveria colocar no planejamento de quaisquer de seus projetos, as expectativas, as formulações de conceitos, enfim, as premissas, já baseadas na nossa sobrevivência. Mas... Será que há planejamento de verdade nos projetos de governo?

É isso, meu amigo. Será que eu enlouqueci ou viajei mais do que você achou que tinha enlouquecido? Não sei, mas como sempre digo, meus posts são sempre fonte para reflexão. Fica mais essa.


sexta-feira, 15 de junho de 2012

Sustentabilidade e outros quetais



Hoje uma amiga postou esta foto no Facebook. Em plena Rio+20, durante a qual os ONGeiros vão deitar e rolar nos seus “blás blás blás” de sempre, que não levam ninguém a lugar nenhum, fui tomada de súbito pela vontade de comentar o seu post. Escrevi o seguinte (aqui o texto está enriquecido com vitaminas e sais minerais):

Minha campanha é para voltarmos aos anos 1950, talvez até 40, pois foi a II Grande Guerra que elevou os EUA ao status de superpotência. Teríamos, então, sacolas de papel gratuitas nos mercados (que ainda não eram super, muito menos hiper), leite e refrigerantes em garrafas de vidro, pão embrulhado naquele papel cinza e barbante de fibra natural etc. etc. etc. Tudo super ecológico.

Isso foi antes de a petroquímica ser endeusada através do seu menino-propaganda, o plástico! Mas, será que há 60 ou 70 anos não se pensava que o planeta é finito? Claro que sim. O ponto é que os Tios Patinhas de plantão àquela época jamais divulgariam essas ideias e informações para a população de mortais mundo afora. Afinal, o lema deles é “consumir cada vez mais para a geração de cada vez mais lucro”. Com isso, não é interessante para “eles” (os caras que mandam verdadeiramente no vil metal) que exista um mundo com menos gente em números absolutos. “Eles” precisam de muitos “consumidores” para que a “cadeia alimentar” se complete. Tão simples quanto isso.

Vale termos em mente, ainda, que essa não é uma ideia tão moderninha assim. No final do século XIX, a Inglaterra faria qualquer coisa para o Brasil abolir a escravidão. Por quê? Porque os milhares de escravos no Brasil eram consumidores em potencial, depois de quase um século de revolução industrial. O Brasil tinha de ter libertado seus escravos muito antes de 1888. Perder o bonde do tempo custou o trono à Dom Pedro II. Por conta disso, hoje estamos sujeitos àquele parlamento lá em Brasília. Olha aí a confusão armada.

Entenderam porque eu penso que esses clichês sobre reciclagem, sacolas plásticas etc. são parte de um grande engodo? Eu toquei em tantos temas diferentes e, no entanto, eles estão interligados. E ainda haveria muito mais a dizer, mas vou deixá-los em paz para refletir, que sempre é minha proposta maior.