quinta-feira, 14 de março de 2013

Manifesto pela Reforma Democrática - 1962

Não se procure nestas palavras o programa completo para um governo. O que se encontra a seguir é um reduzido número de afirmações. Caberá demonstrá-las, explicá-las, sustentá-las, não aqui, não agora. Elas se demonstrarão, por si mesmas, melhor do que eu poderia fazê-lo. Não adianta deblaterarem ou silenciarem sobre elas. Adotadas, resolverão a crise que aflige o Brasil, abrindo caminho à reforma democrática. Desprezadas — e quanto é fácil, com a pedanteria em voga, ou as costumeiras alusões a fórmulas mágicas, à feitiçaria político-social com que se distraem os donos do Brasil — elas demonstrarão, a contrário senso, a sua valia. Numa palavra, elas se confirmarão também pela sua não-aplicação.

Se não adotar, com urgência, soluções realistas, quem não vê que o Brasil caminha para uma. ditadura ? Não importa qual, não importa de quem. Mas, é evidente, cada dia mais, que nenhuma nação resiste a tantas crises sucessivas sem que, a certa altura, uma força de ordem se imponha — e quem vai clamar pelo seu advento, na rua, é o próprio povo aflito.

A ordem democrática, a ordem com liberdade, a disciplina consentida, o esforço conjunto, as soluções honradas — ou a ordem imposta, a ordem armada e mistificadora. Eis a escolha a fazer. Não nos falem de "direita" ou de "esquerda". Os donos do Brasil são ambidestros. Não há incompatibilidade maior. Entre "esquerda" e "direita", como já foi demonstrado no mundo em geral e, em particular, no Brasil. O submundo, tosco de ideias e refinadamente intuitivo dos caudilhos não conhece direita nem esquerda senão como rótulos. O que lhes importa é o Poder, o uso pessoal dele, para enriquecer, para afogar suas inferioridades no ódio, na cobiça, na deslumbrada mediocridade do espanto de se verem tão alto — sem saber corno nem para que.

Não se procure fugir à realidade que se aproxima, por meio de subterfúgios e desculpas tais como a maturidade do país, a estabilidade das instituições, o legalismo das Forças Armadas, a superação da fase dos golpes, etc. Cada vez que se falou nisto, foi um golpe que se desencadeou. A intenção legalista põe — e a conjuntura dispõe.

O famoso gênio brasileiro para a solução pela tangente, o "jeito" para contornar crises, não é senão o outro nome cio horror à responsabilidade, do temor de enfrentar a realidade e resolver, francamente, decididamente, os problemas postos perante os responsáveis pela sorte da Nação.

Já se recorreu demais ao "jeito". A fase das soluções de expediente chegou ao fim. A inflação produz os seus derradeiros efeitos: os de obrigar a Nação a optar. A opção não tarda.

Não adianta recriminações. Nem mesmo parece aconselhável perdermos mais tempo num ajuste de contas. Se queremos que esta Nação se levante, precisamos agir com rapidez; e agir certo.

Que fazer?

Direi o que me parece. Não sem antes também declarar, ainda uma vez, o meu otimismo, se soubermos agir — e se as Forças Armadas, ao menos, não desertarem do seu dever antes de se completar o esforço, crescente e bem sucedido, de sua desagregação. Mas, o nosso otimismo não se confunde com o risonho, transbordante e comunicativo dos inconscientes.

É um otimismo lúcido, fundado no conhecimento de realidades positivas e no, por assim dizer, pressentimento da vitalidade do Brasil e do seu povo. Como não ser otimista ante uma nação que foi capaz de resistir a tantos abandonos e de sobreviver a tantos assaltos?

O que o Brasil tem de positivo, a seu favor, para um esforço nacional de reconstrução e de prosperidade, é imenso. No que ele está muito mal servido é de quadros dirigentes. Estes são escassos e muito deteriorados pela inflação, pela ignorância e pela desonestidade. Estes, manda a verdade dizer que quase não têm onde se preparar em quantidade e qualidade bastante para a crescente demanda.

Preocupa muito, é certo, e também não há como ocultá-lo, a desagregação crescente das Forças Armadas, nas quais — é preciso que se dê o alerta — já penetrou o espírito desfibrador da inflação, formando grupos que disputam entre si a hegemonia ocasional. Um negocista, um só, o pior deles. o mais sórdido, o mais reles, o mais torvo, tornou-se o empresário, o anfitrião, para dizer o menos, de homens responsáveis pela segurança nacional.

Este é um exemplo que vale como um aviso. Pois, queira-se ou não, as Forças Armadas, que atuaram quase sempre corno poder moderador, arriscam transformar-se em fonte de provocação e de opressão, se continuar o atual processo de sua decomposição.

Mas, como não podia deixar de ser, reponta, espontânea, insopitável, a reação contra essa tendência desagregadora e aventurista. A consciência cívica fala mais alto do que o convite à inconsciência e a provocação ao egoísmo e à vida fácil, pela qual se veem os quartéis rodeados, corno de uma inundação que ameaça lhes invadir os pátios limpos. Não tenho dúvidas em confiar, ainda, no êxito dessa reação liberal, isto é, em favor da única liberdade durável, a liberdade com responsabilidade; embora ela tarde e faça correr, com sua tardança, um imenso risco à Nação.

Antes, pois, de entrar na enumeração de providências e reformas que constituem, em linhas gerais, o processo da Reforma Democrática do Brasil, devo singelamente afirmar que faço este esforço sem temores e sem ambições. Faço-o porque hoje, no governo, vejo confirmado o que denunciei quando estava na oposição. O que vi por dentro era ainda pior do que, de fora, parecia. O Brasil tornou-se propriedade de uma casta, que hoje se disfarça de socialisteira como ontem de fascista, mas na realidade é uma casta de incapazes e desonestos profissionais da demagogia, a patronal e a operária, a falar de reformas que não faz porque não quer e porque, se quisesse, não saberia fazer honestamente.

Faço-o, sem ressentimentos e sem recriminações. Dou o nome às coisas, costumo chamar pelo nome os principais responsáveis. Mas, não esqueço que existem outros, corno os omissos, os que deixam correr o marfim, os que não procuram mais do que os seus interesses imediatos, sejam estes de ordem pecuniária ou espiritual. Há urna espécie de competição no país: o campeonato da Demagogia e da Corrupção. Vemos padres demagogos, patrões demagogos, estudantes demagogos, economistas demagogos, generais demagogos, colunistas demagogos. Os mais modestos demagogos são, agora, exatamente os que tinham certo direito de o ser, os políticos, os parlamentares. Há uma grande responsabilidade de órgãos de informação e orientação, que informam mal e orientam segundo conveniências pessoais, momentâneas, subalternas — com as exceções do costume — e alguns dos quais se prostituem com a volubilidade de quem julga que nunca terá de prestar contas a ninguém pelo uso que faz dos instrumentos que a Democracia deixa em suas mãos.

Isto posto, diga-se ainda, não tenho a pretensão de concorrer com os ilustrados demagogos da sociologia que, ultimamente, campeiam no Brasil. jejunos da matéria, justificam "ideologicamente" qualquer absurdo.

Uma análise séria das últimas eleições, de 7 de outubro deste ano, seria reveladora. Dispensem-me de a fazer aqui. Tenham-na por feita. E não percam de vista o espetáculo edificante dos candidatos à presidência da República se acotovelando num concurso de pernas ideológicas, vestindo o maiô socialista para tentar ganhar a coroa de Rei da Esquerda, que o Sr. Jânio Quadros arvorou a três pancadas e deixou rolar da cabeça.

Vejamos, de outro lado, o povo. Na medida de suas forças, desajudado pela falta de escolas, que os donos do Brasil têm o cuidado de lhe não proporcionar; pela falta de universidades autênticas, que são incipientes e quase todas transviadas; pela incompreensão de que a distribuição da riqueza é função da criação da riqueza, e esta depende muito mais do aumento da produção do que as leis generosas que distribuem o que não existe; exasperado pela ação exaustiva da inflação sobre seus sentidos e sua razão; tomado de surpresa por fenômenos como a renúncia de Jânio e o imbróglio presidencialismo-parlamentarismo que é um debate intramuros em Brasília, entre um Parlamento indefeso e um Presidente indefensável; mistificado por uma propaganda que comercializou a política, ainda assim o povo se recusa à subversão a que o convidam. O povo resiste à sedução do desespero.

E, creio, ainda não desanimou.

É o que me anima, também, a propor à sua consideração estas ideias para soluções básicas, pontos de partida da Reforma Democrática do Brasil.

A começar logo, sem prejuízo de qualquer medida, é urgente promover o Balanço Econômico nacional. Não pode o Brasil prosseguir sacando sobre o futuro sem saber com que conta no presente, para esse arranco. Que se sabe da riqueza e das disponibilidades nacionais? Pouco mais do que nada. Dos swaps do Banco do Brasil à atividade predatória da casta dominante sobre a Petrobrás, tudo o que se faz no Brasil é no escuro. O conhecimento da realidade sobre a qual operam os políticos e os administradores é essencial.

Entretanto, as outras medidas são:

1. Reforma Agrária, imediatamente iniciada, usando a legislação vigente e aquela há pouco aprovada pelo Congresso. Instituição de um Fundo de Resgate para a indenização das terras que tiverem de ser desapropriadas, por meio de pagamento em ações de empresas estatais (como Volta Redonda, Vale do Rio Doce, etc.), cotadas em Bolsa. A exigência constitucional do pagamento prévio e em dinheiro não impede essa modalidade, antes a indica. Não sendo a Reforma Agrária, como não é, Unicamente questão de propriedade da terra, as outras providências são: crédito agrícola intensificado, diversificado, disseminado, conforme planos regionais, de acordo com o gênero de produção, capacidade de produzir, etc. Formação de uma entidade nacional para planejamento, mas entrega da execução a órgãos locais, ligados aos Estados e Municípios, mediante cautelas contra a utilização política dessa arma que é a desapropriação. Financiamento da produção de produtos de alimentação. Promoção de convênios entre regiões produtoras e consumidoras, para reduzir o número de intermediários. Crédito à rede privada de abastecimento, para racionalizar os seus métodos e assegurar, por meio de armazéns gerais, os preços na entressafra e um fluxo contínuo de produtos no mercado consumidor.

2. Reforma da Marinha Mercante, estabelecendo um regime de justiça para com o resto do povo e de exploração econômica das empresas. Abertura dos portos, literalmente, pela dragagem e aparelhamento, de modo a utilizar a costa do Brasil; formação do Porto Livre do Atlântico Sul, no Rio. Planejamento do transporte terrestre, aquático e aéreo.

3. Programa de educação primária intensiva, com a concentração de recursos em projetos específicos, entregues à execução de órgãos locais. Considerar a Educação do povo como o principal problema econômico-social do Brasil. Programa de empréstimo interno e externo para investimento maciço na educação do adolescente para o aumento da produtividade. Reforma da Universidade, com aplicação ampla da Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

4. Libertação do movimento sindical de qualquer tutela, para formação de um movimento sindical autônomo. Esforço pelo aumento da produtividade para melhoria real do padrão de vida do trabalhador.

5. Universalização do concurso e do contrato no Serviço Público, com formação de especialistas e de pessoal habilitado. Funcionalismo de carreira, rigorosamente independente da política de clientela. Racionalização do serviço público.

6. Revisão da política exterior do Brasil, retomando a sua linha tradicional e ativando-a para que se torne mais efetiva e mais presente. Abandono urgentíssimo das recentes leviandades que fizeram do Brasil objeto de escárnio internacional e de justa desconfiança dos seus aliados.

7. Reforma Bancária com autonomia do Banco do Brasil e formação do Banco Federal de Reservas, para sustentar o mercado de crédito e, caso necessário, regulá-lo. Política enérgica de sustentação da moeda. Rigorosa amputação de todas as despesas supérfluas ou adiáveis.

8. Uma alternativa a ser decidida com urgência: volta de Brasília ou concentração da administração superior em Brasília. O sistema híbrido é que não funciona. Depois de bem pesar as vantagens e desvantagens, considerando Brasília um fato consumado, lá permanecer ou, vendo que ela ainda vai absorver o que a Nação não pode pagar, adiar essa mudança para mais tarde — e voltar. Rigoroso critério técnico nessa decisão, à luz da conveniência do país nos próximos anos.

9. Revisão imediata de todas as leis, regulamentos, circulares, mandamentos, mentalidades que visam a impedir o afluxo de capital para o Brasil. Cumprimento dos compromissos legítimos assumidos no exterior de modo a restaurar o crédito brasileiro no mundo, completamente destruído. Pelos mesmos motivos, negociações para financiamentos e entrada de capital, privado e público, no Brasil, mediante medidas simples e claras, de defesa do interesse nacional. Sem dinheiro o país não progride. Não há dinheiro bom, suficiente, no Brasil. Medidas para impedir a saída de capital brasileiro para o exterior, pela defesa do crédito interno e pelo confisco das fortunas ilicitamente acumuladas.

10. Revisão imediata de todos os contratos de companhias concessionárias de serviços públicos, de modo a democratizar o seu capital forçando a venda de ações aos usuários, consumidores de seus serviços, para financiar desse modo a atualização e expansão de tais serviços (telefones, transportes, energia, etc.), inclusive a atualização das tarifas.

11. Normalidade na vida da Petrobrás, encerrando o capítulo ruidoso — mas não tanto quanto devia, pelos escândalos que lá são abafados — da ocupação política da empresa estatal de petróleo por grupos da casta de donos do Brasil. Política agressiva de procura e exploração de petróleo pela Petrobrás, fixando prazos razoáveis ao fim dos quais, se não tiver êxito, a exploração do petróleo será livre no Brasil. Mas o preferível, e o desejável, mesmo o economicamente mais provável, é que a Petrobrás sozinha, desde que decentemente administrada, possa resolver o problema brasileiro do petróleo.

12. Crédito à construção civil e às cooperativas, a serem fomentadas, de construção de casas populares, mediante diversos projetos específicos, a serem aplicados com plena liberdade, em cada região e em cada grupo social conforme as suas características e preferências.

13. Completa descentralização administrativa, dando tempo ao Presidente, Ministros, etc., de governarem em vez de apenas confabularem e assinarem papéis.

14. Prestígio à iniciativa privada e, ao mesmo tempo, não só por serem incompatíveis, mas por serem complementares, planejamento nacional com prioridades bem estabelecidas para a solução dos problemas.

15. Estatuto dos Partidos Políticos, para diminuir-lhes o número e garantir, num sistema bipartidário, a livre existência de várias correntes. Reforma interna do Congresso para assegurar melhor rendimento ao trabalho parlamentar e à elaboração, votação e fiscalização do Orçamento.

16. Medidas gerais de moralização da vida pública e da atividade política e administrativa.

Sobre esse quadro de providências básicas, inclui-se uma série de soluções para os problemas específicos de cada região, como o Norte, o Nordeste, de cada produto, como o café, a madeira, de cada setor, como a Previdência Social, o Turismo, etc. Mas o que urge é tornar as providências básicas.

A principal espoliação de que está sendo vítima o povo brasileiro é aquela que lhe causam os próprios brasileiros. Fomos habituados a sonhar com a riqueza fácil, de um subsolo rico, de uma terra fértil, de um clima favorecido, até de um céu privilegiado. Dificilmente nos habituamos com a ideia de uma luta severa contra a adversidade, as deficiências do meio, a carência de conhecimentos, a crise de quadros dirigentes. Crismamos o nosso atraso de "subdesenvolvimento" e com isto fizemos regredir o Brasil, cuja ambição, hoje, se ouvirmos os seus atuais porta-vozes, é igualar o Congo ou assemelhar-se ao Yemen.

Fala-se de reformas de base. Não se faz nenhuma. Proponho estas, que são realmente de base, porque são pontos de partida. Com elas mudam os anacronismos da estrutura sem que mude, propriamente, a estrutura, que fundamentalmente é sólida e boa, tanto que resistiu a todos os descasos e abandonos.

Nego que a luta de classes seja inevitável, ou seja, mais do que uma fase da história do Trabalho. Recuso-me a dividir o meu país, na vertiginosa segunda metade do séc. XX, no limiar da automação e das viagens pelo cosmos, entre as ideias de Adam Smith, no século XVIII, e de Karl Marx, no século XIX. Considero os comunistas uns atrasados e os que descobriram, agora, que "o mundo marcha para a esquerda", uns tolos. Em lugar nenhum do mundo, a não ser pela força e pela traição, o mundo atual marcha para a esquerda. Nem na Rússia. O Partido Comunista é, hoje, o mais conservador do mundo, embora muitos comunistas ainda não saibam. O mundo apenas marcha. Até o Brasil anda, pelo trabalho dos brasileiros, apesar de todas as dificuldades que lhe têm sido criadas por tantos protetores e salvadores.

Quanto mais penso nesses assuntos mais os vejo com simplicidade. Será porque me estou despedindo depois de cumprir a minha obrigação, o que sei é que o problema básico deste país me parece de uma extrema singeleza. Não é uma questão de ideologia, é uma questão de vergonha na cara. Não é tanto uma questão de sabença, é mais uma questão de bom senso. Ninguém, penso, me fará a injustiça de supor que digo assim por ignorar as ideologias. É porque vejo quanto carece de vergonha a gente que domina este meu país.

Com a mesma desenvoltura com que se agarraram ao rabo da direita, quando para lá sopravam os ventos, agarram-se hoje Da esquerda. São novos Mussolinis — em versão para iletrados. Na prática, não são uma coisa nem outra. Não são estadistas. São parasitas. Montaram indevidamente, mercê da ignorância da maioria, da demagogia e da covardia, da excessiva tolerância e da displicência, da cobiça e da falta de visão que dominam o panorama nacional, uma rendosa máquina de explorar o Brasil.

E o exploram.

Pensávamos, com o Sr. Jânio Quadros, formar um precipitado de forças capazes de acabar com essa exploração. Foi-se ver, ele não era o que diziam. Estava muito abaixo da sua missão. Não soube cumprir a sua parte. Saiu — como quem se vinga na carne dos inocentes. Quase desanimamos, todos. Nos desorientamos, muitos. Nos separamos, alguns.

Mas, aos poucos, todos se vão convencendo de que afinal, Jânio Quadros é um episódio, apenas. Uma página virada. A luta que ele não soube levar por diante não começou com ele, vem de muito antes, e não acaba com ele, prossegue.

Tem os seus momentos de desânimo, de maré baixa. Mas tem conquistas sérias, pontos e postos decisivos já tornados. Conta com urna opinião pública crescente, que cada dia mais se esclarece, enquanto do lado oposto, também. Conhecemos partidários dos demagogos, que se desiludem. Não conhecemos partidários nossos, desiludidos. Alguns ficam, quando muito, amuados. Mas, sabem, de coração, que não os decepcionamos.

Porque nunca lhes faltamos, nem agora, com o dever da verdade. Só adula o povo quem o despreza, quem não confia na sua capacidade de se esclarecer e se informar.

No fundo, não há nada mais anti-povo do que esse "populismo" interesseiro e embusteiro que tomou conta do Brasil, enlouqueceu políticos gaiteiros, liberalões que fazem cirurgia plástica nas suas convicções, oportunistas impacientes, traidores que esperavam apenas uma oportunidade para valorizar a traição.

Tudo isto compõe uma farândola. Mas, não forma um corpo dirigente. A Democracia exige a formação de uma elite dirigente, porque ela é ou deve ser o governo dos melhores, escolhido pela maioria. Ela exige que a maioria seja capaz de escolher os mais capazes. Por isto é que ela é lenta para se estabelecer e se aperfeiçoar. Mas, não cessa nunca o seu processo de melhoria. Por isto, ainda, é que ela não cabe numa ideologia, transcende os quadros, por mais amplos, de uma doutrina.

É um estado de espírito que se traduz por providências e medidas, antes que por formulações abstratas. É urna doutrina, mas só se define em ação. Se chegasse a ser uma filosofia, seria inteligível apenas pela sua aplicação prática. Isto não a humilha nem a destrói. Ao contrário, é o que lhe dá grandeza.

Ao contrário dos totalitários, que amam as fórmulas porque se alimentam dessas fórmulas intoxicantes, o democrata se nutre de exemplos e de análises — e foge ao perigo das sínteses e das generalizações teóricas. Em certo sentido, o verdadeiro idealista — na Democracia — é pragmático. Não se deixa aprisionar nem pelas fórmulas nem pelas prevenções, pessoais ou doutrinárias. Mas, isto exige maturidade, força de convicção, capacidade de ação.

Reforma de base? Aí a têm. Fora da mistificação e da provocação que visam a esconder um fato capital: a destruição do Brasil por uma casta de brasileiros que se apossou do país, e, não sabendo fazer outra coisa, prospera — em todos os sentidos — à custa do empobrecimento nacional — em todos os sentidos.

Carlos Lacerda, Manifesto pela Reforma Democrática, 24 de novembro de 1962.


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