quarta-feira, 21 de abril de 2010

INCONFIDÊNCIA: MINEIRA OU FLUMINENSE?

Vou permitir-me, neste 21 de abril de 2010, publicar no meu modestíssimo blog, um artigo escrito por um grande amigo e, assim como eu, um amante da História, nos mostrando que a tão proclamada Inconfidência Mineira não é tão Mineira assim.
Deixo para vocês e como forma de homenagem, não a Tiradentes, posto que ele já as tem em quantidade suficiente, até em forma de um feriado, mas sim ao Dr. Zanon de Paula Barros, a quem eu tenho a honra de poder chamar de amigo.
Regalem-se com este texto, pois ele não consta de nenhum livro (até agora), tampouco encontra-se na Internet.
Joaquim José da Silva Xavier

Inconfidência: Mineira ou Fluminense?
No mês em que se homenageiam os heróis da Inconfidência Mineira, mais especificamente o Tiradentes, é interessante lembrar alguns fatos ocorridos na ocasião e que, apesar de estarem documentados no processo que levou à condenação dos inconfidentes, apagaram-se da história.
São fatos intrigantes que demonstram que a chamada “Inconfidência Mineira” nasceu na Capitania do Rio de Janeiro, extravasando-se para a Capitania de Minas Gerais, onde morreu. Entretanto, não sei por que razão, quando se fala na Inconfidência, nada se diz do Estado do Rio.
Examinando-se os Autos da Devassa que apurou a culpa dos inconfidentes, vê-se que João Dias da Mota, Capitão do Regimento de Cavalaria Auxiliar da Vila de São José (hoje Tiradentes – MG), em depoimento ao Desembargador Pedro José Araújo de Saldanha, relatou que encontrara com o Alferes Joaquim José da Silva Xavier – o Tiradentes – que lhe havia dito:
“Vossa Mercê não sabe o que vai? Pois está para haver um levante tanto nesta Capitania, como nas do Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Pará e Mato Grosso, etc. E já temos a nosso favor França e Inglaterra, que há de mandar naus.
O que ouvindo ele testemunha, absorto do que escutava, lhe perguntou: “Pois quem tem Vossa Mercê para esse levante?” Ao que respondeu o mesmo Alferes: “Temos pessoa muito grande.”
Também no depoimento do Coronel da Cavalaria Auxiliar de São João del Rei, Francisco Antonio de Oliveira Lopes, este, respondendo às perguntas sobre a sedição, disse:
“Que a tropa paga estava já falada pelo dito Alf. Tiradentes, o qual tinha vindo do Rio de Janeiro mandado por certos comissários a ver se cá se queriam unir”.
Em novo depoimento, em 23.07.1789, na cadeia da Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, Oliveira Lopes respondeu que:
“o Vigário (Carlos Correia de Toledo) foi quem lhe contou a ele, Respondente, que – em uma das ditas palestras em casa do Ten. Cel. Francisco de Paula (Freire de Andrada) – se manifestou que o dito Alferes vinha apalpar os de Minas, a ver se queriam se unir aos do Rio que estavam prontos. E foi nessa mesma conferência que se deliberou sobre a primazia que, nesta ação, se resolviam a ter os de Minas. Mas se não lhe contou nem quais eram os confederados do Rio de Janeiro, nem quais diligências se tinham ali praticado”.
Em novo depoimento, em 08.07.1789, Oliveira Lopes relata conversa que tivera com seu primo, Domingos Vidal Barbosa;
E perguntando-lhe ele Testemunha o que era, lhe tornou o dito seu primo: - “que andando nos estudos em Montpellier, conhecera dois sujeitos que se diziam enviados. Um deles, filho do Rio de Janeiro, ao pé da Lapa. E que estes foram mandados por certos comissários daquela cidade a tratar com o embaixador da América Inglesa um levante na dita cidade do Rio. E que falando com o referido embaixador, este lhe respondera que ele escrevia à sua nação a este respeito ...”
Tal encontro realmente existiu e um dos enviados do Rio de Janeiro era José Joaquim da Maia, estudante de medicina que, em Montpellier, em outubro de 1786 (alguns anos antes do início do movimento em Minas), contatou o embaixador americano Thomas Jefferson. Este, em relatório ao Secretário de Estado dos Estados Unidos, John Jay escreveu:
“O meu informante é natural do Rio de Janeiro, a presente Metrópole, onde ele mora e que conta 50.000 habitantes. Ele conhece bem São Salvador, a antiga capital, assim como as minas de ouro que se acham no centro do país. Todas essas partes são favoráveis à revolução, e como formam o corpo da nação, as demais partes hão de acompanhá-las.”
Não há nos autos qualquer referência a contatos de José Joaquim da Maia com autoridades francesas mas não é razoável supor-se que, estando ele na França com a intenção de buscar apoios para um levante, como o fez com Thomas Jefferson, não o tentasse também com os franceses, especialmente porque estes eram adversários dos ingleses, que apoiavam Portugal.
Por outro lado, na Cidade do Rio e em seu entorno passaram-se alguns fatos no mínimo também intrigantes.
O Tiradentes, estando no Rio, pelo que disse, para tratar de uma licença, percebeu que estava sendo seguido. Auxiliado por Inácia Gertrudes de Almeida (tia do inconfidente mineiro Alvarenga Peixoto), conseguiu uma casa, na Rua dos Latoeiros (atual Gonçalves Dias) para esconder-se. Recebeu aí, de Francisco Xavier Machado, duas pistolas e, de Matias Sanches Brandão, um bacamarte para defender-se. Manoel José de Miranda, morador do Engenho de Mato Grosso, em Nova Iguaçu, lhe entregou uma carta endereçada ao Mestre-de-Campo Inácio de Andrade Soutomaior Rendon. Este, nascido e morador em Nova Iguaçu, onde era senhor do Morgado de Marapicu – constituído por vastas terras, incluindo os engenhos Santo Antônio e Mato Grosso – deveria providenciar para que o Tiradentes fosse encaminhado escondido para Minas Gerais, sem passar pela estrada principal, que se achava vigiada.
Estando escondido na Rua dos Latoeiros, no Rio, Tiradentes solicitou ao padre Inácio Nogueira Lima (também nascido em Nova Iguaçu e sobrinho de D. Inácia Gertrudes de Almeida), informações sobre o andamento da revolução. O padre procurou, então, obter informações do Coronel Silvério dos Reis, sem saber que este já havia traído o movimento e feito a delação ao Vice-Rei. Silvério passou a informação ao Vice-Rei que mandou prender o padre, obtendo dele a informação de onde se escondia o Tiradentes. Com isto, o padre iguaçuano, causou, involuntariamente, a prisão do Tiradentes.
Preso, o Alferes em princípio tudo negou sobre o movimento sedicioso. Entretanto, confrontado com os depoimentos já tomados das testemunhas e acareado com elas, sua memória foi-se aos poucos aclarando e as confissões se sucederam. É verdade, porém, que em todos os seus depoimentos – diferentemente de vários outros inconfidentes – assumiu toda a culpa, sem denunciar quem quer que fosse.
No depoimento, tomado na fortaleza da Ilha das Cobras, em 22.05.1789, reconheceu que sua mala já estava na casa do Mestre-de-campo Inácio de Andrade Soutomaior, em Nova Iguaçu (que o ajudaria na fuga).
“E sendo mais instado, que tanto fazia conta de fugir, que logo que saiu de casa tirou dela em uma mala os trastes do seu uso, como ele Respondente não negaria.”
“Respondeu, que era verdade ter tirado a mala com os trastes do seu uso na mesma noite em que se tinha retirado de casa, que foi a seis do presente mês, e que a dita mala a pusera na casa do Mestre-de-Campo Inácio de Andrade, entregue ao Capitão Manuel Joaquim Fortes.
Na inquirição a Manuel José de Miranda, em 29.05.1789, este confirmou que o Tiradentes pretendia que o guiassem até Marapicu, em Nova Iguaçu, “onde mora o dito Mestre-de-Campo”. E perguntado “que dizia o dito alferes do governo de Minas. ou qual era a razão, que dava para afirmar que vexava os povos, como também, que razão tinha para falar do governo do Ilmo. e Exmo. Vice-rei?”
“Respondeu, que o dito alferes não deu razão particular; porque o Ilmo., e Exmo. Visconde vexasse os povos, nem também a deu por que se pudesse falar mal do governo do Ilmo., e Exmo., Vice-rei nem ele Respondente lha perguntou, e só dizia que por assim ter falado de um, e outro se queria retirar desta cidade, e estar uns dias em Marapicu.”
Também no depoimento do Capitão Rego Fortes em 28.05.1789, constou:
“E sendo-lhe perguntado para que o dito alferes procurava a carta de proteção, e se lha tinham dado tanto ele como o dito Manuel José.”
“Respondeu que a procurava para que o referido Mestre-de-Campo o favorecesse, e lhe mandasse ensinar o caminho para as Minas, para onde ele se pretendia retirar por aquele sítio, e com efeito tanto ele Respondente como o dito Manuel José lhas deram.
No próprio acórdão de 18 de abril de 1792, os juízes citam expressamente que o Mestre de Campo iguaçuano iria dar fuga ao Tiradentes:
“E sendo o vice-rei do Estado já a este tempo informado dos abomináveis projetos do réu, mandou vigiar-lhe os passos, e averiguar as casas onde entrava de que tendo ele alguma notícia ou aviso, dispôs a sua fugida pelo sertão para a Capitania de Minas, sem dúvida para ainda executar os seus malévolos intentos se pudesse, ocultando-se para este fim em casa do réu Domingos Fernandes, onde foi preso, achando-se-lhes as cartas dos réus Manuel José de Miranda e Manuel Joaquim de Sá Pinto do Rego Fortes, para o Mestre-de-Campo Inácio de Andrade o auxiliar na fugida.
As Ordenações Filipinas, então vigentes, incluíam no Título VI, do Quinto Livro, as hipóteses em que se punia o “crime de Lesa Magestade”, entre eles os seguintes:
5. O quinto, se algum fizesse conselho ou confederação contra o Rey e seu Stado, ou tratasse de se levantar contra elle ou para isso desse ajuda ou favor.
6. O sexto, se ao que fosse preso por qualquer dos sobreditos casos de traição, algum desse ajuda, ou ordenasse como de feito fugisse, ou fosse tirado da prizão.
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9. E em todos esses casos, e cada hum delles He propriamente commettido crime de Lesa Magestade, e havido por traidor o que o commetter.
E sendo o commettedor convencido por cada um delles, será condenado que morra morte natural, cruelmente; e todos os seus bens, que tiver ao tempo da condenação, serão confiscados para a Coroa do Reino, postoque tenha filhos, ou outros descendentes, ou ascendentes, havidos antes, ou depois de ter commettido, tal malefício.
Da mesma forma que todos os suspeitos de Minas Gerais, no Rio também foram presos todos os que colaboraram com Tiradentes, como Manuel José de Miranda e o Capitão Rego Fortes; Domingos Fernandes; D. Inácia Gertrudes de Almeida e seu sobrinho o padre iguaçuano Inácio Nogueira Lima, etc. Diferentemente, porém, dos mineiros, que foram todos condenados, os fluminenses foram todos absolvidos, (com exceção de Salvador do Amaral Gurgel, que, embora nascido em Parati, vivia em Minas), tendo os juízes considerado que foram enganados pelo Tiradentes.
E o iguaçuano Mestre-de-Campo Inácio de Andrade Souto Maior, tantas vezes citado nos depoimentos e em cuja casa, em Nova Iguaçu, já estava a mala do Tiradentes para quando este, sob sua proteção, fosse encaminhado para a Capitania de Minas? Os desembargadores, apesar de reconhecerem que a mala do Tiradentes já estava em Nova Iguaçu, para o Mestre Campo “o auxiliar na fugida”, ignoraram totalmente a determinação das Ordenações Filipinas. Inácio de Andrade Soutomaior, além de não ter sido preso, não foi em nada incomodado. Não foi chamado para depor nem mesmo como simples testemunha.
E quem era ele? Inácio de Andrade Soutomaior Rendon, grande senhor rural, era irmão do também iguaçuano Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho, Conde de Arganil, bispo e reitor da Universidade de Coimbra e Deputado ao Santo Ofício (a Santa Inquisição) em Portugal. Seu outro irmão, também iguaçuano de Marapicu, João Pereira Ramos de Azeredo Coutinho, era Deputado à Real Mesa Censória, desembargador da Casa de Suplicação de Lisboa e procurador da Santa Igreja de Lisboa. Seu filho, o iguaçuano Manuel Inácio de Andrade Soutomaior, Marquês de Itanhaém, veio a ser tutor de D. Pedro II e das princesas suas irmãs, substituindo José Bonifácio.
Ele próprio, após o processo que resultou na morte do Tiradentes e no degredo dos réus mineiros, e apesar de tantas vezes referido nos autos, veio a ser promovido, falecendo como Brigadeiro Reformado dos Reais Exércitos, sendo sepultado em Nova Iguaçu, na igreja de Nossa Senhora da Conceição de Marapicu (construída em 1737) e ainda existente. A capela de Nossa Senhora de Guadalupe, construída por ele em suas terras em 1750, foi restaurada não há muito tempo mas infelizmente já se haviam perdido (com certeza obra dos ladrões de antigüidades) seu belo altar barroco e o belíssimo frontão de mármore que ainda existiam no início dos anos 60).
Seria o Mestre de Campo iguaçuano a “pessoa muito grande” a que se referia o Tiradentes?

Dr. Zanon de Paula Barros

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