domingo, 6 de fevereiro de 2011

Mafalda, a Contestadora

Sou uma fã ardorosa do Charlie Brown e disso todos sabem. Por outro lado, também tenho uma quedinha irrecuperável pela personagem Mafalda, do cartunista argentino, Quino. Talvez porque, em muitas situações, eu me veja na Mafalda, contestadora, indignada, inconformada com esse mundo louco.

Encontrei o prefácio da primeira edição italiana de “Mafalda, a contestatária” – um livro que reúne suas tirinhas, publicadas em 1969. O prólogo foi escrito pelo semiólogo (pessoa que estuda os sistemas de signos, siginificados) Umberto Eco. Eis a transcrição.

Mafalda não é apenas mais uma personagem dos desenhos animados; é, sem dúvida, a personagem dos anos 1970. Se para defini-la utilizou-se o adjetivo "contestatária" não foi apenas para colocá-la em sintonia com a moda do anticonformismo. Mafalda é uma verdadeira heroína "rebelde" que rejeita o mundo como ele é. Para entender Mafalda é necessário estabelecer um paralelo com a outra grande personagem, cuja influência, certamente não lhe é estranha, Charlie Brown.


Charlie Brown e seu inseparável cãozinho Snoopy

Charlie Brown é norte-americano, Mafalda é sul-americana. Charlie Brown pertence a um país próspero, a uma sociedade afluente a qual busca, desesperadamente, se integrar implorando por felicidade e por solidariedade. Mafalda pertence a um país cheio de contrastes sociais que, no entanto, quer integrá-la e fazê-la feliz. Mas Mafalda resiste e rejeita todas as ofertas. Charlie Brown vive em um universo infantil do qual, a rigor, os adultos estão excluídos (embora as crianças aspirem se comportar como adultos). Mafalda vive em um diálogo constante com o mundo adulto do qual ela não gosta nem respeita, ao qual se opõe, ridiculariza e repudia, reivindicando seu direito de continuar a ser uma menina que não quer se integrar ao mundo adulto dos pais. Charlie Brown certamente leu os "revisionistas" de Freud e busca uma harmonia perdida. Mafalda provavelmente leu “Che”.


Na verdade, a Mafalda tem ideias confusas sobre política. Não consegue entender o que acontece no Vietnã, não sabe por que existem pobres, desconfia do Estado, e a presença dos chineses a deixa preocupada. Mafalda tem, contudo, uma única certeza: ela não se conforma. Ao seu redor, há uma turminha de personagens mais "inidimensionais": Manolito, o menino totalmente integrado a um capitalismo de bairro, absolutamente convencido de que o valor essencial do mundo é o dinheiro; Felipe, o sonhador tranquilo; Susanita que se desespera pela cobrança da sociedade católica de ser mãe, perdida em sonhos pequeno-burgueses. E por último, os pais de Mafalda, resignados, que aceitam a rotina cotidiana (recorrendo ao remedinho paliativo "Nervocalm"), vencidos pelo tremendo destino de terem de cuidar da Contestatária.
O universo de Mafalda não é apenas o de uma América Latina nas suas áreas metropolitanas mais desenvolvidas: é também, de modo geral, e em muitos aspectos, um universo latino, e isto faz com que a Mafalda seja, para nós, muito mais compreensível do que muitas personagens dos quadrinhos norte-americanos. Finalmente, Mafalda que, em todas as situações, é uma "heroína do nosso tempo", o que não devemos pensar que seja uma qualificação exagerada para a personagenzinha de papel e tinta que Quino (seu criador) nos propõe. Ninguém nega que as histórias em quadrinhos (quando atingem níveis de qualidade) são um reflexo do momento social. E na Mafalda vemos os anseios de uma juventude inquieta que assume aqui uma forma paradoxal de uma desaprovação infantil, de um eczema psicológico da reação aos meios de comunicação de massa, de uma urticária moral causada pela lógica da Guerra Fria, de uma asma intelectual causada pelo Cogumelo atômico (de Hiroshima e Nagasaki). Já que nossos filhos se tornarão, por escolha nossa, tantas outras Mafaldas, é bom tratá-la com o respeito que merece uma personagem real.

Bem, como eu não sou semióloga, posso dizer que acho essas análises, que forçam a barra até chegar num discurso ideológico, uma chatice só. Isso é muito "intelectualóide" pro meu gosto. Para mim, o meu amado Charlie Brown é tão somente o fruto da genialidade de Charles Schulz da mesma forma que a Mafalda o é em relação a seu criador, Quino. Em outras palavras, ambos são crianças especialíssimas que nos fazem rir, imaginar, sonhar, viajar nas suas histórias junto com as suas turminhas. Eles ajudam a tantos, inclusive eu, a manter feliz a criança que mora dentro de cada um de nós, e que não podemos deixar morrer nunca. É isso, tão simples como uma gargalhada de criança.



Fonte: Blog de Ariel Palacios

0 comentários:

Postar um comentário

Tô só de olho em você...
Já ia sair de fininho sem deixar um comentário, né?!
Eu gosto de saber sua opinião sobre o que escrevo.
Não tem de ser só elogio... Quero sua opinião de verdade!