quinta-feira, 15 de setembro de 2011

O Restaurante Mais Antigo do Mundo

Hoje recebi um e-mail falando sobre o restaurante mais antigo do mundo ainda em atividade. O Restaurante Sobrinho de Botin (anteriormente Casa Botin) figura no Ginness, Livro dos Records. Foi fundado como uma loja no ano de 1725. Desde então, mantém-se aberto em seu velho edifício de quatro andares. Ainda segundo o Guinness, o restaurante fica na Rua dos Cuchilleros nº 17, próximo à Plaza Mayor de Madrid, na Espanha. Sei que o Guinness tem uma gama variada de categorias e critérios para que um determinado recorde figure em suas páginas. Por isso mesmo, não procurei aprofundar-me nesta informação, pois quando eu li 1725, ou seja, século XVIII, achei melhor avisar a todos que o restaurante mais antigo do mundo ainda em atividade, que eu saiba, não é este.

E isso não é tudo... Diz o autor da informação (para mim, uma propaganda descarada) que, apesar do reconhecimento do Guiness, “outros estabelecimentos disputam a condição de serem o restaurante mais antigo do mundo”. Seria o caso do restaurante alemão Hundskugel, em Munique e o do francês Tour d’Argent, em Paris, que dizem datar de 1440 e 1582, respectivamente. Eu jamais ouvi falar do Hundskugel. Sobre o Tour d’Argent, em Paris, é verdade que ele abriu suas portas em 1582. Entretanto, seu funcionamento não é ininterrupto.



Contudo, eu sei qual é o restaurante mais antigo do mundo ainda em atividade e, além disso, tive o prazer de conhecê-lo no ano passado. Trata-se do ‘Le Procope’, em Paris, que, ao contrário do Tour d’Argent, continua em funcionamento ininterrupto desde sua inauguração. Bem verdade que ele foi inaugurado alguns anos mais tarde, pouco mais de um século, 104 anos. Bem, por que, então, ele não figura no Guinness? Não vou colocar minha mão no fogo por esta informação, mas é certo que só pode ser pela simples razão de que o ‘Le Procope’ não foi inaugurado com o nome de restaurante. Tampouco o Sobrinho de Botin, pois o nome “restaurante” é uma palavra de origem francesa e, no século XVIII, não era comum a utilização desta denominação na Espanha. O ‘Le Procope’ abriu suas portas como um “café”. Na realidade, foi ele que difundiu pela cidade-luz o conceito que hoje vemos a cada esquina de Paris, os “Cafés”.

Em 1686, Francesco Procopio dei Coltelli, um cavalheiro de Palermo, instalou na rue des Fosses em St. Germain (atual rue de l'Ancienne Comédie) um lugar onde as melhores bebidas e os melhores sorbets podiam ser degustados. Numa atmosfera agradável e nas proximidades de l’Ancienne Comédie Française, rapidamente fez do seu estabelecimento o “point de celebridades”, em carioquês, mas em bom francês, “le lieu de réunion des beaux esprits” (literalmente, o lugar de reunião dos belos espíritos). O restaurante, na verdade, o primeiro café literário do mundo acabara de nascer. Por mais de dois séculos, todos que tinham um nome, ou esperavam para entrar no mundo das letras, das artes e da política, participavam do ‘Café Le Procope’. De La Fontaine, passando por Voltaire, Rousseau, Beaumarchais, Balzac, Victor Hugo, Verlaine, e muitos outros, a lista de habitués do ‘Le Procope’ é a mesma dos grandes nomes da literatura francesa. No século XVIII, as idéias liberais começaram a tomar corpo e a ocupar espaço, lá mesmo no Café. A história dos Enciclopedistas está intimamente ligada ao ‘Le Procope’, frequentado por Diderot, d'Alembert e Benjamin Franklin. Durante a Revolução Francesa, Robespierre, Danton e Marat conheceram lá o tenente Bonaparte que deixou seu chapéu como um símbolo. O ‘Le Procope’ renasce para o século XXI às sombras generosas de sua história. Símbolo do passado, a mesa de Voltaire demonstra a perenidade do lugar, que está pronto para receber novas glórias.

Tudo começou com minha indignação para com o senhor que não investigou a exatidão do que escreveu e corri para dizer da inexatidão do que foi dito. Depois de escrever tudo que sei sobre o Café dos Cafés parisienses, o ‘Le Procope’, acabei por lembrar-me de uma curiosidade interessante que acredito poucos devem conhecer.

Por que o nome Procope?
O Café Procope, na rue de l'Ancienne Comédie, 6ème arrondissement, é chamado de o mais antigo restaurante de Paris em operação ininterrupta.

O Fundador

Fundado em 1694 pelo siciliano, Francesco Procopio dei Coltelli, com uma sutil subversão na escolha do nome ‘Procope’ fazendo alusão a Procopius, o historiador, de quem sua História Secreta, a Anekdota (será que é daí que vem a palavra tão usada por nós, atualmente?), contava os escândalos do Imperador Justiniano, sua Imperatriz e ex-dançarina, Theodora, e sua corte. Procopius de Caesarea (circa 500 DC – circa 565 DC) foi um proeminente bisantino estudioso da Palestina. Acompanhando o general Belisário nas guerras do Imperador Justiniano I, tornou-se o principal historiador do século VI, documentando as guerras justinianas, as construções justinianas e a tão falada ‘História Secreta’. Ele é geralmente considerado o último grande historiador do mundo antigo.


A famosa ‘História Secreta’ foi descoberta séculos depois de escrita na biblioteca do Vaticano e publicada por Niccolò Alamanni em 1623. Sua existência já era conhecida. Fazia-se referência a ela como a ‘Anekdota’ (em latim Anecdota, "escritos impublicáveis”). A ‘História Secreta’ cobre, aproximadamente, os mesmos anos em que os primeiros sete livros da História das Guerras de Justiniano foram elaborados por Procopius, e parece ter sido escrita após a publicação destes sete livros, ou seja, ele seria uma espécie de “oitavo livro” da série. Hoje é consenso que as datas apontam para 550 ou 558, ou até mais tarde, em 562. A ‘História Secreta’ revela um autor que se tornou profundamente desiludido com o imperador Justiniano e sua esposa, Theodora, a imperatriz, bem como com o general Belisário, seu ex-comandante e patrono, e Antonina, a esposa de Belisário. As “anedotas” reivindicam a exposição dos motivos secretos das ações públicas, bem como da vida privada do imperador, de sua esposa e de sua “entourage”. Justiniano é atirado aos leões por Procopius, que o classifica como cruel, venal, pródigo e incompetente. Com relação à Theodora, o leitor foi presenteado com a representação mais detalhada e sórdida de vulgaridade e luxúria. A imperatriz seria a mistura de uma megera mesquinha, pobre de espírito, corrompida pelo vício, sempre insatisfeita, obscena e insaciável.

Incrível como a história dos detentores do poder, em qualquer lugar, em qualquer época, insiste em se repetir totalmente desprovida de escrúpulos.

Em tempo, vale a pena um cair de tarde no ‘Café Procope’. É muito bom.


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