terça-feira, 17 de agosto de 2010

A Dama dos Diamantes Negros

Prezados leitores, atendendo a alguns pedidos que me foram feitos por e-mail vou publicar hoje uma matéria da revista Veja de 13/01/2010, quando do lançamento do livro de Claudia Lage, Os Mundos de Eufrásia. Já falei aqui no blog da sua história de vida riquíssima e surpreendente. Como nunca é demais falar de Eufrásia, compartilho com vocês esta matéria da Veja na qual há um pouco da mesma história vista por outro ângulo. Estou certa de que todos vão gostar.


Revista Veja de 13 de janeiro de 2010
Não havia outra como ela
Nabuco amou a única mulher que estava no mesmo patamar que ele - e, talvez exatamente por isso, nunca se casaram.
Eufrásia, a Dama dos Diamantes Negros
Eufrásia, a amada: bela, elegante, apaixonada e boa investidora, mas sempre protelando o casamento.
Um amor tempestuoso, complicado e globalizado por uma mulher tão fora dos padrões da época que, apesar da paixão mútua e incendiária, não quis se casar com ele. Difícil inventar história pessoal melhor para acompanhar a prodigiosa carreira pública de Joaquim Nabuco do que seu caso do tipo vai e volta com Eufrásia Teixeira Leite, provavelmente a única mulher de seu tempo que manteria um diálogo de igual para igual com ele. E que diálogo. As cartas iam e vinham, ao sabor das brigas e reatamentos. Ela saiu do casarão de 22 cômodos em Vassouras e foi morar em Paris. Não queria voltar para o Brasil. Ele ia e não ficava: França, Itália, Inglaterra, Estados Unidos. Não conseguia não voltar para o Brasil. Ela já era rica e ganhou mais dinheiro ainda no exterior. Transformou-se em investidora profissional: especulava com commodities, comprava títulos públicos, passava os dias trancada no escritório. Ele, com as finanças sempre apertadas, era sugado para o palco público da política. Ela oferecia ajuda para financiá-lo - imaginem isso no século XIX. "Eu tenho algum dinheiro e não sei o que fazer dele, compreende que me é muito mais agradável emprestar a si que a um desconhecido", escreveu, friamente, tentando fingir que propunha um negócio interessante para não ferir o delicado ego masculino. Ele, claro, ficou ofendidíssimo. Brigaram, voltaram.
Na biografia romanceada Mundos de Eufrásia (Editora Record), a autora Claudia Lage reconstitui o conturbado relacionamento. Nabuco e Eufrásia conheceram-se num passeio em família na enseada de Botafogo, ela com 12 anos, ele com 13 - idade suficiente para iniciar uma galanteadora correspondência. Aos 15, o jovem Quinquim parou de escrever. Oito anos depois, eles se reencontraram num recital de poesia no Rio. Eufrásia já uma mulher "aprumadíssima, elegante, linda", segundo um biógrafo, o busto, como se dizia pudicamente na época, projetado, cinturinha afinada no espartilho, suntuosa cabeleira negra, sobrancelhas grossas e marcantes. Claudia Lage imagina o reencontro dela com Nabuco como uma daquelas cenas românticas em que apenas um beijo na mão desencadeia carga erótica arrepiante: "Beijou ávido e longamente a palma, como se sorvesse, resistindo ao impulso maior de sair daquela parte e beijá-la inteira".
Aqui abro um parêntese para esclarecer que Nabuco e Eufrásia nunca se conheceram antes da viagem no navio a caminho de Paris em 1873. Volto a dizer que o livro maravilhoso de Claudia Lage é uma biografia romanceada de Eufrásia. Entretanto, tudo o que aconteceu entre os dois no navio Chimborazo é muito provável de ser verdadeiro, já que as cartas de Eufrásia para Nabuco são reveladoras e estão guardadas na Fundação Joaquim Nabuco, no Recife.
As fãs de Crepúsculo podem parar por aqui. Pois, ao contrário do que se poderia imaginar num namoro do século XIX, as coisas entre Eufrásia e Nabuco evoluíram, e muito. Para Claudia Lage, o romance passou dos salões aos lençóis quando os dois viajaram juntos de navio, o Chimborazo, para a Europa. É possível, pois muitos anos depois, numa volta passageira ao Brasil, ela escreveu: "Não sei que influência tem na sua vida a viagem do Chimborazo. Eu por certo sem ela não estaria aqui". Em Paris, eles combinaram casamento pela primeira vez. Depois, desmancharam, iniciando um ciclo que se repetiria nos catorze anos seguintes. Sobre os motivos da indecisão de Eufrásia, os biógrafos tendem a achar que ela cedia a uma promessa feita ao pai, que no leito de morte pediu às filhas que não se casassem. Além da natureza estranha do pedido, ainda mais à época, pesa contra o fato de que Eufrásia já era livre, rica e independente. Nem a família de barões da região de Vassouras, à direita de Gêngis Khan, poderia impedi-la.
Os planos de casamento foram muitas vezes retomados. Mas coração era uma coisa, cabeça outra. Existem, sim, mulheres que, como os homens, pesam os prós e os contras do casamento em relação à liberdade - e à solidão - da vida sem um par. Quando esteve no Rio, hospedada num hotel retirado para preservar a intimidade, derreteu-se. Ele teve de partir em campanha eleitoral, ela de repente decidiu voltar a Paris. Nabuco ficou sem mulher, sem dinheiro e perdeu outra eleição. Acusou-a de abandoná-lo e fazê-lo sofrer. "Tenho mil saudades, nem penso em outra cousa senão na Tijuca, no hotel dos Estrangeiros e em tudo o que se passou", respondeu Eufrásia. Novamente, ele a pediu em casamento. Novamente, ela desconversou - "Casar-me logo, isso infelizmente não posso lhe dizer". Cada vez mais rica, ela se vestia com Charles Frederick Worth, o inglês radicado em Paris que inventou a alta-costura, e ganhou o apelido de "dama dos diamantes negros" por causa da moda de usar jóias costuradas na roupa e presas nos cabelos.

Joaquim Nabuco
Nabuco não era nenhum santo. Enquanto durou o romance com Eufrásia, namorou senhoras casadas, flertou com beldades solteiras e manteve fogosa correspondência com Sarah Bernhardt, a Madonna da época. Da primeira vez que esteve em Washington, como diplomata, queixou-se: "Fora do casamento não há nada aqui". Tinha falta das aventuras extraconjugais. Por causa da paixão por Eufrásia, ficou solteiro até a avançadíssima idade de 39 anos. Por fim, casou-se com a jovem Evelina, de boa família e disposição dócil, em tudo diferente de Eufrásia. Sem falar no dote de 30 000 libras, que ele torrou quase imediatamente: aplicou tudo no que se revelaria, ao longo dos tempos, um dos piores investimentos do mundo, títulos da dívida pública argentina. Ao contrário de Eufrásia, Nabuco não entendia nada do assunto. Evelina o acompanhou na etapa pós-Abolição, quando voltou para a diplomacia e para a religião. "Minha mulher e meus filhos formam o círculo dentro do qual sou intangível. Quanto mais esse círculo nos protege, mais nos aperta", escreveu em 1893. Não foi disso, afinal, que Eufrásia tentou fugir?

Mais adiante postarei, fazendo justiça a ambos, um texto sobre a vida e a grande obra de Joaquim Nabuco, visto que poucos conhecem sua obra literária, que o levou à cadeira 27 da ABL, seu trabalho como diplomata, sua bela amizade com Machado de Assis. Enfim, uma vida de conteúdo especial como era característico aos que viveram no século XIX. 




2 comentários:

  1. Respostas
    1. Olá, Eliana. Fico feliz que você tenha lido sobre a Eufrásia no meu blog. Agradeço a visita.

      Deve ser excitante saber que uma mulher como Eufrásia está entre seus ascendentes. Imagino que você deva ter muitas histórias sobre Vassouras, os barões do café, a família Teixeira Leite etc, tudo contado pelo seu avô. Se tiver alguma história que queira compartilhar conosco aqui no blog, será um prazer.

      A propósito, ontem mesmo comprei os livros "Eufrásia e Nabuco" e "A Sinhazinha Emancipada: Eufrásia Teixeira Leite". Vou deliciar-me com ainda mais histórias desse casal ímpar para aquela época.

      Abraços,
      Eliane Bonotto

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