sábado, 4 de dezembro de 2010

Será que Malthus estava certo?

Lembro-me bem do dia em que aprendi no colégio a Teoria de Malthus. Fiquei horrorizada porque eu, apesar de menina, via lógica no pensamento dele. No Ensaio sobre ‘O Princípio Da População’, de 1798, o inglês Thomas Malthus fez uma afirmação alarmante. Como a população humana crescia em progressão geométrica e a produção de alimentos em progressão aritmética, no longo prazo o saldo desse descompasso seriam a fome e o aumento da mortalidade. Em 1800, havia 1 bilhão de humanos. Hoje, somos 6.6 bilhões. A produção agrícola superou a explosão populacional. Será mesmo que Malthus estava errado? Passados mais de 200 anos, é cada vez mais difícil afirmar que Malthus estava errado. Não sei, não, mas talvez a “voz” de Thomas Malthus pode vir a se fazer ouvir no século XXI. Depois de os cientistas dos séculos XIX e XX afirmarem, categoricamente, que Malthus estava errado, já aparecem aqui e ali estudiosos repensando a questão. A demanda por comida pode vir a ultrapassar a oferta. Um ponto a ser pensado é a disparada do preço dos alimentos. Não estou falando de curto prazo, pois o problema visto no curto prazo pode ser fruto da conjuntura econômica daquele momento, me refiro aqui ao longo prazo.

Thomas Robert Malthus

Na realidade, a China e a Índia, e o próprio Brasil, como países emergentes têm a população gastando mais em alimentos. Pelo que preveem os “especialistas” (adoro esses “especialistas”), dentro de algumas décadas a China passará a importar o equivalente a todo o excedente exportável de grãos no mundo. E os países mais pobres, como os da África? Vão morrer de fome mais rapidamente do que já vêm fazendo atualmente?

A água já é hoje excassa na Índia

O que está acontecendo é que o mundo está trocando as áreas de florestas por áreas de produção agrícola. É o que vemos no centro-oeste do Brasil, que está caminhando para o norte em direção à Amazônia com desmatamento feito por queimadas. Isso sem contar o desmatamento ilegal por puro extrativismo predatório.

O que fazer então? Pelo que tenho lido, não há muito o que fazer, mas mesmo o pouco a se fazer já é muito. Será? Infelizmente, penso que não. Mesmo a tecnologia dos transgênicos tem limites. Nos anos 50, os fertilizantes com preços baixos deram um grande empurrão na agricultura. Êpa! Agricultura, não. Agronegócio fica mais pomposo, né?! Bem, mas hoje a energia está ficando cada vez mais cara e poucos são os países que têm uma planta razoável de usinas de produção de energia barata. O Brasil definitivamente NÃO é um deles, pois a água é um bem que, em breve, se tornará mais raro do que o petróleo atualmente. Então, não adianta vir com essa historinha de viver de hidrelétricas. Os países que têm um percentual maior de geração de energia barata são pequenos em extensão territorial, o que não resolve nosso problema.


O problema da falta de água no mundo é mais sério do que pensamos. Vejam o seguinte fato... A China está substituindo a produção de grãos, que usa irrigação maciça, pela de frutas e verduras, que consome menos água. Todos os grãos, principalmente a soja, ela importa do Brasil e dos EUA. E se paramos para pensar, o que a China está consumindo do Brasil não é só a soja, mas também a nossa água. Observem que a China tem uma população estimada para 2010 de 1.338.612.968 habitantes. É bilhão mesmo. A Índia está com 1.132.446.000 habitantes, em estimativa para 2008. Ou seja, quase metade da população do planeta vive nesses dois países. Voltamos ao ponto inicial. Será mesmo que Malthus estava errado?


O tempo é o senhor da razão?

E o aquecimento global? As mudanças climáticas? A cada árvore que se corta é uma amiguinha a menos para consumir o CO2 que as indústrias e os transportes rodoviários lançam na atmosfera irrestritamente. E não se esqueçam que espécies vegetais não existem só na terra, mas também nos oceanos. Estes, sim, nossos maiores tesouros. No item mudanças climáticas, o uso da energia e da água na agricultura terá de ser reduzido seriamente. Como os tais especialistas dizem que, mesmo assim, não adiantará muito, acho que teremos todos que comer menos. Aliás, seria uma volta a como era na Terra antes de o homem começar sua empreitada em destruir o planeta.

Vejam que dado interessante eu li: o planeta pode alimentar 2.5 bilhões de bocas com uma dieta ocidental, rica em carne, ou 20 bilhões de vegetarianos. É para pensar, não?! E por quê? Porque a pecuária e a avicultura consomem grande parte da produção de grãos no mundo. Os EUA consomem anualmente 100Kg de carne per capita. Só que a Índia consome parcos 15Kg. Há duas alternativas, ou aumentamos o consumo de carne na Índia, ou diminuímos nos EUA. O que nos faz pensar que o vegetarianismo seria uma parte da solução. E, na minha opinião, é. Muito bem, mas o problema é: como fazer para diminuir o consumo de carne no mundo ocidental? Nos EUA, e no Brasil também, ninguém toca nesse assunto tabú. Nesses e alguns outros países como Argentina, Uruguai etc a população acha que comer carne é um direito divino. Até porque o consumo de carne representa prosperidade. E ainda não falamos nos ovos e no leite. Então, acabamos de voltar mais uma vez ao início. E Malthus não sai da minha cabeça.


A falta de água já é uma realidade em muitos países

Como fazer, então, para inverter esse pensamento do “direito divino” de comer carne? Quem vai convencer àquele bilhão de chineses que eles precisam comer menos carne? Não serão os presidentes dos países do G20 que vão levantar essa questão em campanha eleitoral. Contudo, cedo ou tarde, essa questão terá de ser debatida com coragem e jogo de cintura simultâneos, a meu ver pelas Nações Unidas. A FAO - Food and Agriculture Organization of the United Nations tem feito o dever de casa direitinho? Não sei. Mas a obrigação de trazer o tema ao debate aberto mundo afora é dela. Quem eles escolherão para apadrinhar essa ação também não sei. Mas que é imperativo esse movimento, ninguém duvida.

Estou falando da falta de alimento num futuro próximo, mas devo ponderar que, se há quase 1 bilhão de pessoas que serão famintas, também há outro bilhão de pessoas hoje com sobrepeso. Como o ser humano deve enfrentar esta situação? Morremos de fome ou de diabetes? Por 200 mil anos, a espécie humana teve sua dieta restrita pela disponibilidade ou não de alimento. A invenção da agricultura, há 10 mil anos, mudou esse padrão. A obesidade é consequência do acesso a uma alimentação farta e barata aliada ao sedentarismo da vida moderna. Para manter uma dieta saudável, é preciso disciplina, e nós não fomos biologicamente projetados para controlar nossa gula. A humanidade sempre conviveu com a escassez. Essa é a condição humana.

 
Fonte: Wall Street Journal


4 comentários:

  1. Esse post é assustador, Eliane! Infelizmente você está certa...

    Sempre soubemos que essa progressão inversamente proporcional entre a produção dos recursos e o crescimento da população uma hora seria colocado em alerta vermelho (o que de fato ainda não foi colocado, salvo por raros pensadores individuais).

    Antes de concluir meu rápido raciocínio, quero apontar para um fato pitoresco: na Índia, a religião preponderante prega que a vaca é sagrada. Logo, a alimentação deve ser mais verde e saudável do que em outros países. Na China um percentual muito alto da população vive em regime de subsistência, espalhado em áreas agrícolas por todo o país (daí a estatística surpreendente do baixíssimo valor do salário mínimo naquele país). Isso sugere que a alimentação de um número extraordinário de pessoas não chegue nem próximo daquilo que estamos habituados a ver nos países mais desenvolvidos, com dieta rica em carne.

    Assim, a alimentação mais saudável talvez justifique uma população tão grande nesses dois países.

    Mas voltando ao assunto, minha conclusão é a seguinte: se não tivéssemos passado pela segunda guerra mundial na década de 40, será que hoje já não estaríamos vivenciando uma crise populacional e alimentar de grandes proporções? Já passou por sua cabeça que uma terceira guerra mundial recolocaria a humanidade de volta nos trilhos? Ou será que a humanidade vai conscientizar-se a respeito do perigo que o capitalismo, extrativismo e consumismo exacerbado trará às próximas gerações?

    A chapa tá fervendo, o ser humano está cada dia mais ambicioso... e o resultado disso você já disse tudo.

    Grande abraço!
    Adriano

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  2. Oi Adriano. Vc é uma das pouquíssimas pessoas que realmente pensam no ser humano. Tanto no lado pessoal de "fazer a sua parte", quanto no lado do "debater as ideias".

    Realmente existe uma corrente de pensadores que defendem que as guerras e/ou grandes pestes/epidemias seriam uma parte da cadeia alimentar do ser humano. Quem disse que não temos nossos predadores? Só que eu acho que nós ainda temos o privilégio de sermos nosso próprio predador, já que quem faz as guerras e os grandes extermínios são os seres da mesma espécie. E a humana é a única espécie que extermina a sua própria espécie mesmo sendo do tipo "sapiens". E no final queremos camuflar nossas "culpas" dizendo que os animais são irracionais.
    Quanto a 3ª Guerra Mundial vir para funcionar como um "freio de arrumação" no mundo, não descarto de todo. Mas a teoria em si de que elas existem porque o ser humano precisa de seu "predador" na cadeia alimentar, sinceramente, ainda não tenho uma opinião pronta, formada a respeito. Mas que as guerras acabam funcionando assim, é verdade. O efeito é verdadeiro na sua consideração. A causa talvez eu mesma não esteja querendo enxergar, pois é mesmo assustador. Sou muito inclinada a concordar com vc.
    Isso sem contarmos (e isso faz parte das ideias dos pensadores) com os gandes saltos tecnológicos que, infelizmente, as guerras acabam por proporcionar.
    O ser humano já está maduro o suficiente para saber que as guerras NÃO são o caminho para nossa real evolução como mais um ser vivente deste planeta. Precisamos evoluir moralmente com urgência.
    Grande abraço

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  3. A super-população coloca o planeta e vida sã em risco. O excesso demográfico é base do poder, a sua verdadeira e mais cristalina essência. Tanto é assim, que a mídia e os poderosos não tocam no assunto. Para eles é preciso um exército de mão-de-obra burra, descartável e escrava para servir a toda futilidade do estilo de vida das elites do mundo. Sem este excesso populacional, o estilo ostentoso e superficial de vida dos poderosos ficaria totalmente inviável. Contudo, as pessoas que constituem a massa de manobra desta vergonhosa manipulação que corre a olhos vistos, ao menos, para aqueles com um mínimo de massa cinzenta, passa totalmente despercebida pela classe dominada totalmente alienada e que simplesmente reproduz por puro instinto e irresponsavelmente. Ser pai é uma coisa, colocar no mundo é outra.

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  4. Concordo com você, Unknown. Realmente, excesso demográfico é um assunto tabu em todo o mundo; talvez nem tanto na China, onde há controle de natalidade.
    Só não credito os méritos do excesso populacional da camada dominada e alienada ao estilo de vida ostentoso e superficial dos poderosos e elites. Acho que isso é fato, mas o problema é o consumismo exacerbado dos tempos atuais. Posso estar errada, e, por favor, me corrija se for o caso, mas, no início do século XX, existiam lacaios que serviam famílias de nobres na Europa sem que estes constituíssem um exército de mão-de-obra burra, descartável e escrava. Até porque eles (os lacaios) precisavam ter desenvoltura e inteligência para servir seus patrões a contento.

    Já no século XXI, o cenário que você expôs é exatamente o que está acontecendo. Penso, sinceramente, que este sim, é fruto do excesso demográfico e da manipulação das classes desfavorecidas pelas "elites" dominantes. Mas para debatermos isso, teríamos de definir o que seja "elite". Mas isso já seria uma outra história.

    Para mim, o grande vilão do excesso demográfico, neste século, é o consumismo, tão excessivo quanto o crescimento da população pobre e miserável no hemisfério sul.

    Sua intervenção, por si, já seria insumo para um novo post. Obrigada pela visita em meu blog.

    Abraço,
    Eliane Bonotto


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