terça-feira, 27 de março de 2012

Flor Bela de Alma da Conceição Espanca

No dia 11 deste mês, escrevi um post com o título ‘Gonçalves Dias, amor, pecado e culpa’. Pensei que poucas pessoas leriam o texto. Até porque falava de poesia e história. Mas a vida do poeta Gonçalves Dias foi tão rica e densa, apesar de tão breve em seus 41 anos, que resolvi publicar. Fiquei surpresa de ver que este post teve um grande número de leitores. E fiquei contente porque meus leitores andam românticos. E se gostaram de Gonçalves Dias, sabem o que é bom.

Então, resolvi contar aqui mais uma história de vida rica e belíssima. Dessa vez, de uma poetiza, de quem, aliás, sou fã. Pudera! Ela escrevia poesias com incrível grandiosidade. Seu nome é Flor Bela de Alma da Conceição Espanca, uma escritora portuguesa multifacetada, pois escrevia em prosa e verso toda a beleza da língua de Camões.

Florbela Espanca, como ficou conhecida, nasceu em Vila Viçosa, no Alentejo, em 8 de dezembro de 1894. Os 36 anos de sua breve vida, foram intensos, inquietos e plenos de sofrimento que Florbela transformou em poesia ímpar, de alma feminina e erótica.

Seu pai, João Maria Espanca, era casado com Mariana do Carmo Toscano. Mariana não pôde lhe dar filhos. João Maria, entretanto, teve dois filhos – Florbela e Apeles – com outra mulher, Antônia da Conceição Lobo, de condição humilde. Os dois irmãos foram registrados como filhos ilegítimos de pai incógnito. Contudo, João Maria criou os dois filhos em sua casa, e Mariana, sua esposa, foi madrinha de batismo de ambos. João Maria nunca lhes recusou apoio nem carinho paternal, mas só reconheceu Florbela como sua filha legítima 18 anos depois da morte dela.

Suas primeiras composições poéticas datam dos anos 1903/4. Em 1907, Florbela escreveu o seu primeiro conto, “Mamã!” No ano seguinte, sua mãe, Antônia, faleceu com apenas 29 anos.

Florbela foi uma das primeiras mulheres em Portugal a frequentar o curso secundário, quando ingressou no Liceu Masculino André de Gouveia, em Évora, onde estudou até 1912. Durante os tempos no Liceu, ela leu Balzac, Dumas, Camilo Castelo Branco, Guerra Junqueiro, Garrett etc.

Em 1913, casou-se com Alberto de Jesus Silva Moutinho, seu colega da escola. O casal morou em Redondo e, em 1915, foi para a casa dos Espanca, em Évora, com dificuldades financeiras.

Em 1916, Florbela trabalhou como jornalista em periódicos de Évora. Foi também nesta cidade que completou o curso de Letras e matriculou-se na faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, no qual foi uma das 14 mulheres entre 347 alunos inscritos.

Em 1917, apresentou os primeiros sinais sérios de neurose. Em 1919, publicou seu primeiro livro de sonetos, Livro de Mágoas. A tiragem de 200 exemplares esgotou-se rapidamente. Em 1920, ainda casada com Alberto de Jesus Silva Moutinho, Florbela foi viver com Antônio José Marques Guimarães, alferes de Artilharia da Guarda Republicana. Ela, então, interrompeu os estudos na faculdade de Direito e, em 1921, finalmente casou-se com Antônio Guimarães.

Em 1922, foi publicado seu soneto “Prince charmant...”, dedicado a Raul Proença. Em 1923, publicou sua segunda coletânea de sonetos, Livro de Sóror Saudade, edição paga por seu pai. Para sobreviver, Florbela começou a dar aulas particulares de português. Em 1925, Florbela divorciou-se pela segunda vez. Se isso não é coragem, não sei o que dizer. Uma mulher que estudou num liceu masculino, escrevia poesias ousadamente belas e vivas, divorciar-se pela segunda vez na segunda década do século XX é, no mínimo, extremamente forte e corajosa. E, na minha opinião, Florbela era uma mulher que se recusava a viver uma vida insípda, sem alma.

Senão, vejamos o que fez a intrépida, a audaz poetiza Florbela Espanca. Ainda em 1925, casou-se com o médico Mário Pereira Lage, que conhecia desde 1921 e com quem vivia desde 1924. O casamento foi em Matosinhos, no Porto, onde o casal foi morar a partir de 1926.

Em 1927 a autora principiou a sua colaboração no jornal D. Nuno de Vila Viçosa, dirigido por José Emídio Amaro. Naquele tempo não encontrava editor para a coletânea Charneca em Flor. Preparava também um volume de contos, provavelmente O Dominó Preto, publicado postumamente apenas em 1982. Começou a traduzir romances para as editoras Civilização e Figueirinhas do Porto.

Em 1927, seu irmão, Apeles Espanca, faleceu num trágico acidente de avião. A morte do irmão foi um golpe duro para Florbela. Sua doença mental agravou-se bastante e, em 1928, ela teria tentado o suicídio pela primeira vez.

Em 1930, Florbela começou a escrever o ‘Diário do Último Ano’, obra que só foi publicada, postumente, em 1981.

Florbela tentou o suicídio por outras duas vezes. Uma vez em outubro e depois em novembro de 1930, na véspera da publicação da sua obra-prima, ‘Charneca em Flor’. Ainda neste ano de 1930, Florbela perdeu toda vontade de viver depois de receber o diagnóstico de um edema pulmonar. Não resistiu à terceira tentativa de suicídio e faleceu em Matosinhos, no dia em que completava 36 anos, 8 de dezembro de 1930. A causa da morte foi overdose de barbitúricos.

Para quem ainda não conhece os poemas de Florbela Espanca, experimente ler estes versos e estes sonetos.

Olha pra mim, amor, olha pra mim;
Meus olhos andam doidos por te olhar!
Cega-me com o brilho de teus olhos
Que cega ando eu há muito por te amar.



Se tu viesses ver-me
Charneca em Flor, Poemas

Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...

Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...

Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri

E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...


Eu...
Livro de Mágoas

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!





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