sábado, 17 de março de 2012

Prof. Lobo Carneiro e a Av. Pres. Vargas

Desde os tempos de D. João VI já se pensava em construir um canal navegável ligando o mar ao Rocio Pequeno, a ex Praça Onze. O canal teria como objetivo secar uma série de mangues existentes próximo ao que é hoje a Cidade Nova, que era um foco de doenças, mosquitos e odores desagradáveis.

Só em 1857, foi iniciada a construção do Canal do Mangue, que foi a maior obra de saneamento do Rio de Janeiro, na época do Império, que possibilitou a extinção da Lagoa da Sentinela e dos maguezais de São Diogo, que iam até quase o Campo de Santana. A obra foi contratada ao visionário Barão de Mauá, que inaugurou a Avenida Canal do Mangue juntamente com sua fábrica de gás (a atual CEG, que teve sua sede na Av. Presidente Vargas). O gás seria usado na iluminação pública e doméstica.

Avenida do Mangue em 1900

Ex-sede da CEG (Companhia Estadual de Gás) em foto atual. Esse foi o prédio construído pelo Barão de Mauá para sua fábrica de gás no século XIX.

No Governo do prefeito (interventor) Henrique de Toledo Dodsworth, do então Distrito Federal, de 1937 a 1945, a ideia de prolongar a Avenida do Mangue até o Cais dos Mineiros, atual Arsenal da Marinha, foi posta em prática e foi aberta a Avenida Presidente Vargas, que recebeu este nome em homenagem ao então Presidente Getúlio Vargas. Para abrir a Avenida houve uma série de demolições: 525 prédios desapareceram juntamente com antigas ruas, o que enfureceu vários seguimentos da sociedade. A Avenida tem 2.040 metros de extensão no trecho até a Praça Onze. Sua largura atinge 80 metros da Candelária até a Praça Onze e 90 metros no trecho do Canal do Mangue.


Na abertura da Avenida foram demolidas três importantes igrejas da cidade: a de São Pedro dos Clérigos, a de Bom Jesus do Calvário e a de São Domingos. Só a Igreja da Candelária foi preservada. Sua grandiosidade e imponência foram respeitadas e, em torno dela, surgiu a Praça Pio X, com a Avenida passando ao seu redor.

A Igreja de São Pedro dos Clérigos foi o centro das atenções e de um episódio interessantíssimo durante a abertura da Avenida. O Prof. Fernando Luiz Lobo Carneiro foi designado pelo chefe do Instituto Nacional de Tecnologia (INT), onde veio a trabalhar por 33 anos, para fazer um ensaio a fim de testar a solução imaginada, na época, para a igreja: deslocá-la para o lado, usando rolos de concreto com 60cm de diâmetro.

A São Pedro dos Clérigos era uma igreja histórica, construída em 1732, pequena, barroca e com planta elíptica. Igual àquela só há mais uma no Brasil, em Ouro Preto: a Igreja do Rosário dos Pretos. Era, portanto, uma das mais importantes igrejas da cidade, seu interior foi totalmente decorado por Mestre Valentim e apresentava uma talha em estilo Rococó.

Igreja de São Pedro dos Clérigos em 1942

O projeto consistia em substituir a parte inferior das paredes da igreja por concreto. Sob o concreto, seriam colocados rolos que serviriam para deslocar a igreja até o outro lado da avenida.

A Franki, uma empresa de fundações e infraestruturas, tinha tido sucesso na Europa no transporte de construções sobre rolos de aço. Mas aqui no Brasil surgiu a ideia de fazer rolos de concreto. Os de aço eram calculados através da fórmula de Hertz, mas a questão era como calcular os de concreto. Eram rolos de 60 cm de diâmetro. Quando o Prof. Lobo Carneiro pôs o rolo de concreto na máquina, ele quebrou de uma maneira inteiramente diferente dos de aço: por uma fissura vertical, abrindo-se em dois. Segundo o Professor: “Estudei isso e me ocorreu propor um novo método para a determinação da resistência à tração dos concretos”.


A resistência à compressão era determinada em cilindros ensaiados verticalmente com as dimensões: diâmetro = 15cm e altura = 30cm. Pondo esses cilindros deitados, entre os pratos da máquina, se determinaria a resistência à tração.

O método foi logo levado à reunião de fundação da RILEM (Réunion Internationale des Laboratoires et Experts des Matériaux, Systèmes de Construction et Ouvrages). Isso ocorreu em 1947, por iniciativa de um grupo de diretores de laboratórios, composto por cerca de 14 pessoas, sob a direção de Robert L'Hermite, diretor do Laboratório de Ensaios e Pesquisas sobre Construção e Obras Públicas, da França. E assim o ensaio de compressão diametral do concreto foi descrito e apresentado na França.

No Brasil, na época, ninguém deu muita importância àquilo, mas na França logo começou a ser usado e passou a ser chamado de "essai brésilien". Depois de ser aceito pela American Society for Testing Materials, em 1962, ficou conhecido também nos Estados Unidos como "brazilian test". Recentemente, em 1980, foi adotado pela International Organization for Standardization (ISO). A engenharia brasileira deve muito ao Prof. Fernando Luiz Lobo Carneiro, que faleceu em novembro de 2001. O Professor fundou na Coppe, na UFRJ, a pós-graduação em engenharia civil no Brasil.

Prof. Fernando Luiz Lobo Carneiro
Mas voltando à igreja, o que aconteceu exatamente com a São Pedro dos Clérigos? Segundo o Professor, ela acabou sendo demolida, porque suas alvenarias eram bastante espessas (algumas tinham mais de um metro), mas completamente heterogêneas. Dentro delas havia pedaços de estátuas, madeira, tijolos etc., o que as tornava fracas. Além disso, o prefeito da época, Henrique Dodsworth, começou a ser ridicularizado. Diziam: "O velho está gagá, quer deslocar uma igreja sobre rolos...", embora esse tipo de transporte tivesse sido feito na Europa com êxito. Fizeram até um samba sobre o assunto.

O prefeito mandou, então, um ofício à Franki, perguntando se a empresa garantia que a igreja chegaria intacta do outro lado da avenida. O diretor respondeu: "Garantir eu não posso, porque, dada a heterogeneidade das paredes da igreja, pode haver um acidente durante o transporte e ela desmoronar". Diante disso, o prefeito deu o caso por encerrado e mandou demolir a igreja.


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