quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Jardim Botânico, uma nova favela?

Não cheguei a fazer nenhum comentário sobre a notícia estarrecedora, dando conta de um projeto de lei, de autoria dos vereadores Adilson Pires (PT), Reimont (PT) e Eliomar Coelho (PSOL), para a criação da Área de Especial Interesse Social (AEIS) do Horto, no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, para fins de urbanização e regularização fundiária. Hoje, há cerca de 600 casas construídas em terreno da União (e administrado pelo Jardim Botânico), nas quais vivem 3.000 habitantes.

Uma das comunidades à beira do Rio dos Macacos

Obviamente a AMA-JB manifestou-se contra esta insanidade. Ela é contrária ao projeto porque:
1.    O Jardim Botânico do Rio de Janeiro é uma Área de Preservação Permanente (APP) e é considerado pela UNESCO como reserva da biosfera, além de ser área tombada pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), incluindo-se aí o Horto Floresta, desde 1937.
2.    De acordo com as regras de APP, nenhuma residência poderia ser construída a menos de 30 metros do Rio dos Macacos. No entanto, muitas famílias construíram casas próximas ao rio, colocando suas vidas em risco em épocas de grandes chuvas. 

Deslizamentos provocados por chuvas e desmatamento
3.    A regularização fundiária em áreas de preservação permanente somente é possível em caso de interesse social, caracterizado pela ocupação predominante de população de baixa renda. De acordo com a lei nº 8.742/93, família de baixa renda é aquela que aufere rendimento per capita de até ¼ do salário mínimo. O censo realizado em 2005 mostra que nenhuma família da comunidade do Horto se enquadra nesta categoria. Muitas têm renda superior a 10 salários. E algumas recebem mensalmente mais de 20 salários.
4.    Trata-se de terras da União, portanto a Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro não poderia votar esse projeto. Se o projeto for aprovado, corremos alguns riscos:
A comunidade receberá títulos de posse destas terras e, em cinco anos, serão os proprietários. Teremos, portanto, quase 600 propriedades espalhadas pelo parque do Jardim Botânico.
A criação da AEIS prevê a urbanização, construção de conjuntos habitacionais para quem mora em área de risco, abertura e pavimentação de ruas, criação de creches, áreas de lazer e centros comunitários dentro do parque Jardim Botânico, tombado pelo IPHAN! Projeto semelhante, criando uma AEIS, foi aprovado no Parque da Cidade algum tempo atrás. Em menos de 10 anos essa Área de Especial Interesse Social se tornou uma grande favela dentro do parque.

Favela do Parque da Cidade

E a Associação está coberta de razão. Observem a declaração do Deputado Federal Edson Santos (PT-RJ), que nasceu numa das comunidades do Horto há 55 anos. Ele rebate as críticas dizendo que, mesmo em terreno da União, o município é o responsável pelo uso e ocupação do solo. “Espero que os vereadores pensem no interesse do Jardim Botânico, mas também dos moradores que estão lá há muitos anos. A direção do Jardim Botânico quer expandir o parque em detrimento dos moradores”.

Mais uma comunidade à beira do Rio dos Macacos
No JBRJ podem ser observadas cerca de 6.500 espécies, algumas ameaçadas de extinção, distribuídas por uma área de 54 hectares, ao ar livre e em estufas. O Jardim abriga ainda monumentos de valor histórico, artístico e arqueológico, além de um importante centro de pesquisa, que inclui a mais completa biblioteca do país especializada em botânica, com mais de 66 mil volumes e 3 mil obras raras (biblioteca na qual eu já estudei várias vezes, quando terminava a faculdade de Ciências Biológicas). O Caminho da Mata Atlântica, antigo Caminho do Boi, é um caminho aberto num fragmento preservado da Mata Atlântica. Ele inicia-se na catarata e termina, atualmente, no Aqueduto da Levada, totalizando, aproximadamente, 600 metros de extensão, hoje abertos à visitação pública. Não vou nem falar das aléias, dos monumentos a Mestre Valentim, no Solar da Imperatriz, no Lago Frei Leandro, que são preciosidades cariocas, que cada um de nós tem a obrigação de defender.  

As palmeiras imperiais do Jardim Botânico Rio de Janeiro

Eu tenho mais do que obrigação de falar do orquidário (que abriga mais de 700 espécies de orquídeas e também algumas epífitas, como antúrios, filodendros, avencas e samambaias, num conjunto de dois mil vasos), do bromeliário, da estufa de plantas insetívoras (as famosas carnívoras), do Jardim Região Amazônica, no qual encontramos exemplares de seringueiras, babaçus, andirobas, cacaueiros e pau-mulato, do Jardim Sensorial, que foi concebido de maneira que as suas plantas possam ser tocadas pelos visitantes, particularmente os deficientes visuais. O conjunto do Jardim Sensorial é constituído por plantas aromáticas e de diversas texturas, sendo o visitante convidado a exercitar os sentidos do tato e do olfato, particularmente. As espécies de plantas encontram-se identificadas por placas com escrita em braille. O JBRJ conta ainda com uma Carpoteca (espaço destinado a uma coleção de informações sobre plantas frutíferas e seus frutos) com 5.800 frutos secos. Uma xiloteca (arquivo de madeiras ou o local onde se guardam diversos tipos de madeira e informações relativas à sua estrutura anatômica) com 8.000 amostras de madeira. 330 mil plantas desidratadas. 

Uma xiloteca. Esta não é no JBRJ.

O JBRJ não é apenas a botânica, a flora, as plantas, mas seus 54 hectares constituem um ecossistema importantíssimo em plena área urbana. Lá a biodiversidade é enorme, pois há um grande conjunto de comunidades (insetos, pássaros, peixes, microorganismos) interagindo entre si e agindo sobre e/ou sofrendo a ação dos fatores abióticos, que são o solo, a água, o vento. Enfim, um patrimônio que é um verdadeiro tesouro verde. Eu mesma custo a acreditar que tudo isso está realmente acontecendo. Só pode ser um pesadelo.


Linha do Tempo do crescimento das comunidades no JBRJ


A AMA-JB disponibilizou no seu site um abaixo-assinado para aqueles que, indignados perante o Projeto de Lei 161/2009, na minha opinião, indecente, queiram assinar. Como os brasileiros em geral são chegados a um reclamar sem fim dos governos, sejam eles quais forem, eis aqui a chance de ouro para, com um simples click do mouse, exercerem a tão falada, mas quase nunca exercida, cidadania. Eu já assinei.

6 comentários:

  1. Eliane, estou pasmo com essa notícia... Não consigo compreender como é que alguns políticos podem ser tão cegos, e conduzem seus trabalhos com pretextos exclusivamente eleitoreiros.

    É prático entregar uma documentação de propriedade e prometer urbanizar o improviso. Depois que a natureza responde com as tragédias que temos visto aí, sai o governador gritando que "é muita burrice, como é que os governos anteriores permitiram a instalação de moradias de forma irregular e em locais de risco sem fiscalizar..."

    Resposta simples para quem se faz de bobo e desentendido: É dessa maneira aí, sob a batuta de vereadores que pensam que dar papazinho na boquinha e casinha ao povo humilde é sinônimo de cidadania.

    Grande abraço!
    Adriano Berger

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  2. Pois é, Adriano. É tudo aquilo que você já leu nos meus posts do LinkedIn. O que me entristece é que as pessoas que frequentam aquele site são as ditas "esclarecidas", "formadoras de opinião", e no entanto, falam, falam, falam, reclamando dos governos, chegam até mesmo a apontar os erros e algumas até dizem, com fundamentos, o que deve ser feito para resolver, mas são incapazes (todos) de se comprometer em botar a mão na massa. Continuam todos nos seus mundinhos, cada vez mais individualistas. Portanto, se quem pode gritar e fazer valer os direitos de todos, que é a classe dos mais favorecidos, ignora tudo solenemente, é o mesmo que deixar a ferida exposta para os "vermes" se instalarem. E depois da gangrena, só mesmo a amputação, não é?!
    Por isso que os 'políticos-vermes' estão felizes e a cada pleito eu olho e vejo os mesmos rostos. Escolher quem? Nem sei mais se posso acreditar em alguém. Onde fica o caráter das pessoas?
    Ahhh... E essa notícia, Adriano, é velha. Eu é que, por engano, não a publiquei no devido tempo. Esta matéria esteve no Globo online de junho/2010. Eu assinei o manifesto. Queira Deus que dê certo.

    Abraços,
    Eliane

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  3. gentem podem ficar sucegado essas casas nao estao dentro da area do jardim botanico naoooooooo isso e coisa de gente maluca que nao tem o que fazer

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  4. Olá Francisca. Bom dia. Esta é a sua opinião. No meu blog, ela é respeitada. Permanece publicada e eu nunca deleto nenhum comentário, a menos que seja declaradamente ofensivo e/ou contenha palavrões.

    Essa é a receita da educação e do bom convívio em sociedade, respeitar e ser respeitado.

    Obrigada por ter se interessado por este post do blog "De Tudo Um Pouco". Sua presença e interesse honram meus escritos. Valeu!

    Eliane Bonotto

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  5. Brigada Eliane por nao deletar meus comentarios voce e uma graça Deus te Abençoe.

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  6. Olá, 'Meu Mundo'. Boa tarde. Tudo bem? Realmente não deleto comentários. Como eu disse anteriormente, só o faço se tratar-se, declaradamente, de algo ofensivo e/ou que contenha palavrões. Esqueci-me, entretanto, de mencionar fazer propaganda gratuita no meu blog, sem a minha permição, tentando induzir/cooptar meus leitores para sua causa, que, diga-se de passagem, é contrária à minha.

    Portanto, seguindo meus princípios de não-censura, eis o seu comentário sem a tentativa dissimulada, cínica, de propaganda: "Para essas famílias, a regularização é a emancipação da cidadania, ao terem o registro de imóveis de sua terra."

    Fique tranquila, 'Meu Mundo', pois "uma graça", eu sou mesmo; e que Deus sempre me abençoa, eu sei a cada dia, pois ele me dá discernimento para sentir o que representa energia positiva e negativa. Com a ajuda Dele, fica bem mais fácil separar o joio do trigo.

    Não caia no engodo de confundir boa educação e respeito com ingenuidade e tolice.

    A propósito, dê sua opinião, aqui ou em qualquer outro lugar na internet, mas tenha, no mínimo, a coragem de assinar embaixo do que diz. É tão deselegante alguém que pensa ter opinião, mas que não "mostra a cara", não é mesmo?!

    Obrigada pela visita e por ter disposto seu tempo lendo meu blog.

    Eliane Bonotto

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Tô só de olho em você...
Já ia sair de fininho sem deixar um comentário, né?!
Eu gosto de saber sua opinião sobre o que escrevo.
Não tem de ser só elogio... Quero sua opinião de verdade!