quarta-feira, 8 de setembro de 2010

A Rua do Lavradio

Como prometido, senta que lá vem a história. E a Rua do Lavradio e seus arredores é plena da história carioca e, conseqüentemente, do Brasil. Vou enumerar os prédios mais importantes daquela região para não ficar enfadonho. Esta rua foi aberta em 1771 e mandada alinhar em 1777 pelo 2º Marquês do Lavradio.


O 2º Marquês do Lavradio, 1º Vice-Rei do Brasil

A Casa do Marquês de Lavradio
O prédio que fica na esquina da Rua Do Lavradio com a Rua da Relação foi mandado construir em 1759, e concluído em 1765, para ser a residência do 2º Marquês do Lavradio, Luis de Almeida Portugal Soares de Alarção Eça e Melo Silva e Mascarenhas, que por dez anos foi Vice-Rei do Brasil, de 1769 a 1779. O Marquês desejava deixar marcada sua administração através de obras e de eficiência. Entretanto, ao conhecer a realidade, deu-se conta da enormidade da tarefa e da longa luta a travar contra condições desfavoráveis, que muito dificultavam as sonhadas reformas. A Rua do Lavradio era, até então, um simples caminho no limite da zona urbanizada da cidade, fato que muito incomodava ao Marquês. Ele acabou por conquistar uma grande área drenando os alagados que se estendiam da Lapa à Cruz Vermelha e à Praça Tiradentes. 


Casa do 2º Marquês do Lavradio. A fachada atual foi feita no século XIX.
Em 1751, no intuito de desafogar o funcionamento da única Corte (leia-se ‘de justiça’) no Brasil, foi criada a Relação do Rio de Janeiro, expandindo a administração da justiça ao sul e centro-oeste do Brasil. O primeiro presidente da Relação do Rio de Janeiro foi o então Governador Gomes Freire de Andrada, agraciado com o título de Conde de Bobadela.
Percebam como os acontecimentos se entrelaçam. O prédio do qual estamos falando fica na Rua do Lavradio na esquina com a Rua da Ralação (agora já sabemos o porquê) e transversal a esta fica a Av. Gomes Freire (o Conde de Bobadela).


Av. Gomes Freire, nome em homenagem ao Conde de Bobadela

Com a transferência da Corte para o Brasil em 1808, a Relação do Rio de Janeiro foi elevada à condição de Casa da Suplicação do Brasil, como tribunal de última instância, acumulando as atribuições da extinta Relação (o STF da época). Em 1833, com a criação do Supremo Tribunal de Justiça, restaurou-se a Relação do Rio de Janeiro, que retornou à sua condição de tribunal local.
De agosto de 1831 até 1835, as sessões do Senado Brasileiro passaram interinamente a ser realizadas na sala do Supremo Tribunal de Justiça (na Casa da Relação), pois o Palácio do Conde dos Arcos, onde ficava a Câmara vitalíciia do Senado, esteve em restauração.
Durante a República vários órgãos públicos funcionaram no casarão. Em 13 de outubro de 1967, depois de totalmente abandonado, o prefeito do Rio de Janeiro cedeu, através da Lei 1447, o casarão colonial à Sociedade Brasileira de Belas Artes, que permanece lá até hoje. Sua fachada atual é uma composição eclética resultado de reforma sofrida no século XIX. Entretanto, seu interior continua, praticamente, colonial português puro.


Solar do Marquês de Cantagalo na esquina com a Rua do Senado
Solar do Marquês de Cantagalo
O imóvel foi construído em 1820 e foi residência do Marquês de Cantagalo. Consta que em 1829, D. Pedro I quase perdeu a vida na Rua do Lavradio, ao ser jogado para fora de sua carruagem pelos cavalos espantados. Levado sem sentidos para o Solar do Marquês de Cantagalo, não tardaram a aparecer muitos escravos espalhando areia defronte a residência para que os ruídos da rua fossem abafados e não molestassem o Imperador acidentado. Edificação de estilo neoclássico, tomabada pelo patrimônio histórico em âmbito municipal. Atualmente, funciona no andar térreo o Bar e Restaurante Cantinho do Senado e no andar superior o Hotel Horizonte.


Escola Municipal Celestino da Silva
No prédio onde hoje funciona a Escola Municipal Celestino da Silva, funcionou em priscas eras, o Theatro Apollo.
O Theatro Apollo foi erguido em forma de ferradura, teve sua armação de ferro fabricada na Europa, nas oficinas de Moisant Savey, Laureys & Comp., segundo o modelo apresentado pela Casa Eiffel.

Escola Municipal Celestino da Silva
De acordo com a descrição de Lafayette Silva, "era um teatro alegre, ajardinado, com a extensão de 74 metros e a largura de 18m. O pano de boca era uma cópia excelente do Parnaso, de Rafael Sanzio, existente na galeria do Vaticano.” Em 1891, o Almanak Laemmert assim informava: "Este bonito teatro de construção elegante e sólida é um dos mais aprazíveis e bem ventilado, tem grande jardim onde se acha construído um buffet o qual está em condições de bem servir aos freqüentadores deste teatro. A sala é vasta e pode comportar mais de mil e quinhentas pessoas. Tem uma ordem de camarotes, tribuna nobre, camarote de polícia e conservatório, lugar para quatrocentas cadeiras na platéia e vasta galeria." Segundo Morales de los Rios, o Theatro Apollo foi edificado pelo ator Guilherme da Silveira. O Almanak Laemmert de 1891 acrescenta ao nome de Guilherme da Silveira o do empresário Braga Júnior, como responsável, também, pela construção daquela casa de espetáculos. Passou, depois, para a propriedade de Celestino da Silva. O Theatro Apollo era o preferido das companhias portuguesas de revistas e operetas. 

Theatro Apollo em foto de Augusto Malta, de 08/09/1920

Em seus 26 anos de existência, o teatro apresentou artistas consagrados pelo público e pela crítica, registrando grandes sucessos na vida teatral carioca. Nele trabalhou, na última vez em que aqui esteve, a grande artista Sarah Bernhardt. Marcando sua passagem, afixou-se em uma das paredes da sala de espetáculos uma placa com dizeres alusivos ao evento. 

Placa que marca a passagem de Sarah Bernhardt pelo Theatro Apollo
Essa placa, agora (em 2004), pertence ao Arquivo da Municipalidade e está fixada na parede externa da Escola Municipal Celestino da Silva, ocupante do edifício do teatro desde o início do século XX. O Apollo encerrou sua atividade teatral com a morte de seu proprietário, Celestino da Silva, ocorrida em 03 de setembro de 1916. O imóvel fora legado em testamento à Municipalidade, com a condição de ser transformado em escola para o povo. A entrega das chaves do prédio à Prefeitura foi feita pelo empresário José Loureiro, cinco dias após o falecimento de Celestino da Silva.

Tribuna da Imprensa
A Tribuna da Imprensa é um jornal brasileiro fundado em 27 de dezembro de 1949, no estado do Rio de Janeiro, pelo jornalista Carlos Lacerda. O nome do veículo deve-se à coluna ‘Da Tribuna da Imprensa’ que Lacerda escreveu no jornal Correio da Manhã, de 1946 a 1949, quando foi afastado deste jornal, mas manteve o direito ao nome.
Foi na Tribuna, em 12 de agosto de 1954, que Lacerda escreveu o editorial sugerindo que os militares exigissem a renúncia do Presidente Getúlio Vargas, reverberando a crise que o levaria ao suicídio no dia 24 de agosto. Após a morte de Getúlio, governistas invadiram e empastelaram a sede do jornal.


Sede do jornal Tribuna da Imprensa
Em outubro de 1961, durante o Governo de João Goulart, em conseqüência de dificuldades financeiras Lacerda vendeu a Tribuna da Imprensa, por 10 milhões de dólares, para Manuel Francisco do Nascimento Brito, genro da Condessa Pereira Carneiro, dona do Jornal do Brasil. No final de 1962, o jornalista Hélio Fernandes assumiu o passivo e o ativo do jornal. Em entrevistas, ele garante não ter pago um centavo por isso, apenas tendo livrado Nascimento Brito do contínuo prejuízo.
De junho de 1968 a junho de 1978 o submeteu-se à censura prévia. Em 26 de março de 1981, uma bomba explodiu na sede do jornal na Rua do Lavradio, 98, um ato creditado a defensores radicais da ditadura militar, com o objetivo de culpar os militantes da esquerda.
Em 2001, a sede do jornal chegou a ter a sua falência decretada e seu acesso lacrado, em razão do pedido feito pelo desembargador Paulo César Salomão, pelo não pagamento de uma indenização por danos morais decorrente de uma ação que impetrara contra o jornal. Ele se sentira atingido por um artigo assinado pelo economista Romero da Costa Machado - que não pertencia aos quadros da Tribuna - publicado em 1994, sob o título ‘O crime ao amparo da lei’, no qual era chamado de ‘PC Salomão’. O atual editor da Tribuna da Imprensa é Hélio Fernandes Filho. Editorias: Política, Esportes, Economia, Internacional, País/Cidades, Ciência/Ambiente. A Tribuna da Imprensa tem como colaboradores os jornalistas Carlos Chagas, Argemiro Ferreira, Roberto Monteiro de Pinho e Sebastião Nery, dentre outros.

Eram esses os prédios da Rua do Lavradio que mais tinham histórias a serem contadas. Termino deixando como sugestão, passarmos todos a prestar mais atenção aos prédios, praças, logradouros, monumentos, espalhados pela cidade e que nem nos dignamos a dar uma paradinha só para olhar e conferir. Acredito que alguns se pegarão admirando a beleza e o quanto de vida expôs-se minuciosamente por tantos lugares do Rio de Janeiro.


Aqui a minha indignação em relação ao prédio do Tribunal Regional do Trabalho (TRT- 1ª Região), que ainda teve a desfaçatez de construir um prédio com um gabarito totalmente fora dos padrões de uma rua que faz parte do Corredor Cultural de Preservação Paisagística e Ambiental do Centro da Cidade do Rio de Janeiro. Isso é a representação máxima do cúmulo da arquitetura e a total inexistência de urbanismo por parte do poder público no Rio de Janeiro.


2 comentários:

  1. Notícias boas....a Casa do Marques de Lavradio está sendo totalmente restaurada. Pelo que vi, terminaram a recuperação do telhado...vamos torcer para ficar fiel a planta original. Quanto a Casa do Marques de Cantagalo o restaurante Cantinho do Senado ocupa o 2º andar com o restaurante e o térreo com o bar. A construção do TRT é o máximo do absurdo que há por ali, ficou com as fachadas originais (somente a frente das casas) que haviam no local, pensei que no início iriam dar uma utilidade a fachada original mas infelizmente ... nada!

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  2. Oi Márcia. Isso é que são "alvíssaras!!!". Aquela casa tem mais de 300 anos. E pela história que passou por ela, não merece ficar no estado em que está.

    Quero me desculpar com você e com todos os leitores pelo erro incrível sobre a Casa do Marquês de Cantagalo. Pois eu cansei de almoçar no restaurante do Cantinho do Senado no 2º andar do casarão e também cansei de tomar meu suco de frutas fresquinho pela manhã no bar do mesmo nome no térreo. Foi alguma informação antiga contida na internet (não me lembro agora o site) e na hora de passar a limpo... A pressa foi inimiga da perfeição.

    Desculpe-me pela demora em respondê-la. Obrigada pela correção e pela colaboração com a informação correta. Participe sempre. :)
    beijinho

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