sábado, 16 de abril de 2011

O que deu nos músicos da OSB?

Há alguns dias, conversando virtualmente com dois grandes amigos, vi que estava em pauta os famigerados testes propostos para os músicos da OSB. Achei a conversa tão agradável e digna de crédito, que resolvi trazê-la até vocês. Um dos meus amigos é um músico paulista. O filho do meu outro amigo trabalha no Theatro Municipal do Rio de Janeiro e é um excelente artista, mas não é músico. Aqui está.

Não estou muito a par dos problemas da orquestra, mas pelo que li trata-se de uma recusa dos músicos de passarem por testes. Já passamos por isso com a nossa OSESP. Com a contratação do John Neschiling todos os músicos foram convocados para um teste. Foi a gota d’água para a revolta dos músicos burocráticos e acostumados com a vida de funcionário público. Com pulso firme o regente manteve os testes e transformou a OSESP na melhor orquestra da América Latina. Não sou contrário às reivindicações dos trabalhadores, ao contrário, mas penso que um processo seletivo é normal para aumentar o nível das orquestras brasileiras.

A OSB em apresentação no Theatro Municipal do Rio de Janeiro

Tenho acompanhado com grande preocupação os recentes problemas surgidos na OSB e não apenas na OSB Jovem. Tenho um carinho muito grande por essa orquestra pois desde criança, meu pai me levava nos Concertos Para Juventude, liderados pelo Eleazar de Carvalho e depois, Alceu Bocchino. A orquestra já passou por outros momentos difícieis, mendigando contribuições, quaisquer que fossem, a seus admiradores. Mas não me lembro de uma crise tão grande devido a discórdias internas.

Tudo começou em janeiro, quando os músicos foram avisados que passariam por um processo de avaliação. Em fevereiro, a Fundação que é presidida pelo filho do Maestro Eleazar de Carvalho, reafirmou que faria as avaliações e que seriam obrigatórias. Mais de 50 músicos disseram que não fariam as avaliações, que eles são avaliados todos os dias pelo maestro e nos espetáculos, pelo público. Em março, depois de ser tentada, sem sucesso, na Justiça a suspensão das avaliações, elas começaram. Metade da orquestra não compareceu a nenhuma das avaliações. Houve um Plano de Demissão Voluntária que não foi aceito pelos músicos. No final de março, começaram as demissões por justa causa e os artistas que se apresentariam com a OSB começaram a cancelar seus espetáculos com a orquestra.

Maestro Isaac Karabtchevsky diretor artístico da Orquestra Sinfônica Brasileira de 1969 a 1994 e que muito fez para levar a OSB e a música clássica a todos.

Dia 09/04, haveria uma apresentação da Orquestra Jovem mas parece que quando o Minczuk subiu ao palco para regê-la, o público começou uma disputa para ver quem tinha mais força: as vaias ou os aplausos. Os músicos então se retiraram, aparentemente em protesto pelas demissões dos membros da orquestra principal e não houve apresentação. O concerto de hoje (10/04) também não acontecerá. Não sei como isso vai terminar, mas espero que não seja com a "implosão" da orquestra. Acho muito válido que se faça uma seleção dos melhores. Afinal, ganhar R$ 11.000,00, que foi o salário divulgado pelo Minczuk para após a seleção, tem de ser mesmo muito bom no que faz e reconheço que pode haver músicos que não estarão à altura de uma orquestra desse nível.

A OSB foi fundada em 1940. Desde 2005, a orquestra conta com a direção artística do Maestro Roberto Minczuk. Veja no site da OSB sua história contada em décadas, de 1940 até 2000.

De tudo isso, eu só tenho a lamentar. A música erudita ou clássica, como muitos chamam genericamente, já encontra tantos obstáculos nesse país onde a maioria, começando pelas "autoridades da cultura", só dá valor a samba, carnaval, mulatas, funk e similares, vem essa crise e dificulta mais ainda a divulgação desse gênero musical entre a população. Sim, porque, ao contrário do que muitos dizem, a música clássica não precisa ser só das elites. Ela pode ser popular, desde que seja mostrada às pessoas.

Como disse, em São Paulo houve o mesmo problema. A princípio fiquei revoltado com o projeto, tinha alguns amigos e conhecidos músicos. A proximidade com eles forçou a minha solidariedade. Porém, com o passar do tempo percebi o quanto éramos prejudicados com as récitas burocráticas da orquestra. Tudo mudou após o projeto do Neschling e o que parecia impossível, assistir a concertos de nível com orquestra nacional tornou-se uma realidade. Os músicos da OSB dizem que já passaram pelo crivo do público. Duvidoso este argumento. Acabamos nos acostumando com desempenhos medíocres para termos oportunidade de assistir ao vivo alguma peça que nos interessa, mas nossa paciência tem limites. Abandonei as salas de concerto, como ouvinte, quando me dei conta que saía das salas mais contrariado do que com a certeza de ter assistido a um bom concerto. Enfim, resta-nos a OSESP, mas não sei até quando.

Quanto ao Minczuk, fui contemporâneo dele na Escola Municipal de Música, da Prefeitura de São Paulo. Uma ótima escola, formadora de bons profissionais. Lembro-me que na época fui escalado para acompanhá-lo ao piano numa peça para solo de trompa, numa audição de encerramento. Acabou não rolando, mas fiquei surpreso, anos depois, com o sucesso que ele galgou internacionalmente. Via de regra, estes profissionais que vêm com bagagem internacional querem mudar o marasmo nacional, mas se deparam com a enorme burocracia governamental, a má vontade de alguns músicos e até mesmo com sua própria personalidade forte de um regente, que tem de ser assim por força da batuta. Fiquei surpreso com o apoio pró-músicos de artistas do quilate do Nelson Freire e da Cristina Ortiz!

Bem, aqui eu tentei colocar a minha colher tortinha no assunto, mesmo sendo leiga. Um dia em 2010, postei o vídeo de um instrumentista e perguntei o que esse amigo músico achava da performance do rapaz no vídeo. Lembro-me bem que pedi a ele que fosse bem sincero. E ele foi. Disse que, na realidade, achava que o músico fazia o "feijão com arroz". E é a mais pura verdade. Só não me lembro se eu mencionei que o rapaz toca esse instrumento numa das Sinfônicas do país há vários anos. Quase sempre a mãe dele está na platéia para aplaudir o filhote. Mas... Será que ele merece os aplausos do público que não o conhece? Sinceramente acho que não. O pouco que ele pratica seu instrumento é durante os ensaios formais da orquestra ou, quando não, para tocar em algum casamento mais chic. Jamais soube que ele tenha feito algum curso, especialização ou o que seja em outro lugar. Não necessariamente fora do país, pois é necessário ter dinheiro para isso. Mesmo assim, se fosse eu, e se eu gostasse do que faço (até porque se eu não gostasse não estaria lá), eu já teria feito aulas com músicos mais experientes aqui mesmo no Brasil. Já teria feito qualquer coisa para me superar. Do contrário, de tanto uma pessoa fazer um trabalho repetitivo, a qualidade acaba caindo, sim. Isso é fato. Se o músico não inova no repertório. Ou se não se atreve a tentar tocar algo desafiador, sei lá. Vai se aposentar tocando "feijão com arroz". Os músicos não podem ter "medo" de serem avaliados. O público brasileiro não tem como "avaliar" um músico de orquestra, mesmo que estejamos falando de uma elite. Eu, por exemplo, garanto que não tenho a menor condição para isso. Explico. Sei que o Arnaldo Cohen é um excelente músico. Logo que ele começou a ficar famoso, bem no início, assisti a uma audição dele no pequeno salão de uma das entidades onde estudei. Fiquei encantada. Parecia que estávamos no céu ao ouvi-lo tocar. Eu adorei. Um pouco depois, ele deve ter percebido que se ficasse no Brasil, seria um talento jogado fora e ganhando mal. Foi morar em Londres, se não me engano, e acho que vive lá até hoje. Quantas vezes Arnaldo Cohen vem ao Brasil para o ouvirmos tocar? Quase nunca. Eu mesma só me lembro de uma vez. Quando vem, é um acontecimento. Então nós acostumamos o ouvido com o que temos aqui. É óbvio que temos gente muito boa. Chega a ser vergonhoso um músico se recusar a passar por um teste sobre aquilo que ele já faz há vários anos. Mas aconteceu. O que eu não entendi, assim como o meu amigo, foi Nelson Freire e Cristina Ortiz. Nesse ponto, penso que pode ser mais do que apenas o que está sendo mostrado. E depois de saber sobre os R$ 11.000,00 de salário, perdoem-me, caros amigos, mas o pessoal tem de começar a entender que, se outros profissionais precisam ter quilos de MBAs, pós-graduações, mestrados etc para conseguir um bom emprego, os músicos da OSB, que são tão profissionais como os outros, também precisam se aperfeiçoar, sim. Por que não?

Uma foto, dois gênios: Giacomo Puccini e Arturo Toscanini, este último considerado maior maestro de todos os tempos. O que eles diriam dessa situação?

Perfeita a sua colocação, mas não nivelemos por baixo! Este salário, se estiver correto, está na média para um profissional com anos de estudos e especialização. É uma mão-de-obra qualificadíssima. Ocorre que costumamos nivelar por baixo, como por exemplo, comparando com uma profissão extremamente corriqueira e nada imprescindível para o Brasil: a de professor!

Hoje, 16/04, não sei em que pé estão as coisas na OSB. Só sei que vocês, caros leitores, estavam sem um novo post há vários dias. Peço desculpas a todos pela demora.



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