quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Saudade de Cabeças Pensantes

Há uns dias venho lendo textos, artigos e afins em sites especializados, falando sobre as mais diversas situações relativas à administração de empresas. Todos devidamente assinados por administradores com currículos “a peso”. Conhecem este tipo de currículo? São aqueles nos quais seus donos possuem 1Kg de doutorado, 2Kg de mestrado, 3Kg de pós-graduação, 5Kg de MBA e por aí vai. Tamanha é a quantidade de títulos, que você pensa estar lendo algum texto de Ele não deixou que constasse da Bíblia. Nós, pobres mortais os vemos como deuses no Olimpo.
Mas... Conforme vamos lendo os escritos que produzem, me pergunto se eu estou emburrecendo, envelhecendo ou o quê. Porque algo está errado. Tenho certeza de que algo está muito errado.
Li uma quantidade de títulos repetitivos e pobres (pobres em relação aos currículos dos cidadãos que os assinavam), de fazer dormir. Títulos como, por exemplo, “REUNIÕES: Oportunidade ou Desperdício de Tempo de Um Gerente?”, “Falar em público: habilidade necessária ao sucesso!”, “Dez Regras para Ser Um Líder Competente”, “Qualidades Mais Admiradas em Um Gerente” ou essa pérola “Vai atrasar? Não invente desculpas e mantenha a sua imagem”. Valei-me meu São Ricardo Semler! 


Ricardo Semler depois do sucesso do grupo Semco
Isso não é conselho para um profissional. Isso é apenas e tão-somente uma regra básica de boa educação e consideração para com o próximo. Isso é uma obrigação de alguém que pretende viver em sociedade! Entretanto, como nem sempre uma embalagem ruim é sinônimo de conteúdo ruim, li cada texto com atenção. Infelizmente, eu não estava errada. Os textos tinham uma quantidade enorme de obviedades. Nada além do que todo mundo já sabe, principalmente hoje em dia, com a informação fluindo rapidamente pela internet. 

Primeiro livro de Semler já na 19ª edição em 1989
Este episódio me fez lembrar de algo mais heterodoxo, algo mais revolucionário, no sentido de remexer nas estruturas, ter visão de futuro, ser um farejador do caminho certo. Senti uma saudade enorme de quando li Ricardo Semler pela primeira vez em 1989. Virando a Própria Mesa, título de seu primeiro livro, já estava na 19ª edição quando eu o comprei, um ano depois de ter sido lançado. Neste livro ele conta a “revolução” que fez na empresa de seu pai, a SEMCO, que já estava cambaleando, e transformou-a em um grupo forte de empresas. A SEMCO se tornou destaque mundial por causa de sua inusitada forma de gestão, iniciada pelo visionário Ricardo Semler. Ele foi vice-presidente da FIESP, articulista da Folha de São Paulo, professor visitante da Harvard Business School. Já viajou o mundo explicando como implementou a Gestão Participativa em suas empresas e depois de tudo isso, atualmente, prefere se manter mais reservado. Isso tudo ele fez isso nos anos 80. O livro foi lançado em 1988. Naquela década ele pôs em prática conceitos que hoje eu leio nestes textos de que estou falando como se fossem o "dernier cri" da administração. Observem este trecho do livro, no qual ele se refere ao relacionamento entre acionistas e boarding da empresa.

SEMCO em Santo Amaro
“Há uma supervalorização da cúpula que é perpetuada por ela mesma e por seus esforços para convencer acionistas de que sempre são eles os responsáveis pelos méritos da empresa. É desnecessário dizer que os mesmos são afiados em dar explicações plausíveis sobre como os fracassos da empresa não são de sua responsabilidade. Acontece que aos acionistas interessa este tipo de relacionamento, uma vez que, estando afastados do dia a dia, não querem ajuizar conflitos e decidir entre várias opiniões. A eles o que convém é ter um só homem responsável, pagando-lhe o que for necessário para absorver suas dores-de-cabeça, e demitindo-o quando insatisfeitos com o seu desempenho. É uma fórmula simplória, e os grandes executivos têm se tornado mestres no jogo de filtrar informações para baixo, e especialmente para cima, para manterem-se protegidos.”

Anúncio de recrutamento para a vaga de Gestor de RH da Semco
Alguém se identificou num cenário como este numa grande empresa? Isso é mais do que atual, não?!
No final do livro ele diz uma outra coisa que gostei de ler naquele ano de 1989.
“Se não existisse a Sunab, o príncipe seria o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), órgão mestre da incompetência na defesa contra o abuso do poder econômico. Depois de Uganda e da Líbia, o Brasil deve ser o paraíso dos abusadores do poder econômico. O CADE existe para prevenir isso, mas se fosse órgão de cadastro de intenções de violentar o consumidor, o resultado seria igual. A Volkswagen e a Ford provavelmente morreram de dar risada quando o CADE considerou a junção das duas na holding Autolatina um evento normal e sem conseqüências econômicas. Nenhum país que tenha um capitalismo não-selvagem teria aprovado uma atrocidade econômica como essa. Acredito que essa ‘mamata’ vai acabar. Pode demorar décadas, porém, porque só virá com o primeiro governo sério, e parece que não estamos correndo esse risco por algum tempo. Porém, às empresas que basearam suas estratégias de sucesso em trusts e cartéis, é preciso ter um roteiro alternativo em vista.”
Pelo visto ainda não passamos pelo primeiro governo sério. Não preciso nem mencionar tudo o que veio depois da Ambev.
Espero que vocês entendam a diferença entre "escrever um livro" e "escrever um livro". Eu quando vejo no currículo do autor de um livro sério, títulos publicados com os sugestivos nomes de “10 Regras para Isso...”, “5 Chances para Aquilo...”, ”12 Leis para se Chegar Alhures...”, declino a compra. Depois vejo pessoas que compram esses autores vociferando contra livros de auto-ajuda.
Em 2009, Ricardo Semler declarou na Época Negócios, “Sou uma espécie de ING, um Indivíduo Não Governamental”.



3 comentários:

  1. Eliane, se eu acreditasse em horóscopo apostaria agora que somos do mesmo signo, rsrsrs. É incrível como nosso senso crítico é convergente! Concordo com cada vírgula desse texto, e receio parecer petulante por achar tão banal a maioria dos textos que leio por aí. E Ricardo Semler, nesse mesmo livro ensinou-me uma coisa que sigo desde o dia em que li: "se tiver uma ótima idéia ou projeto na cabeça, coloque-a no papel. Só assim perceberá que a maioria delas não tem futuro e desistirá antes mesmo de iniciá-las". Mais ou menos isso. Por isso escrevo tanto, pois aperfeiçoa as idéias.

    Ricardo Semler é o simbolo da objetividade no mercado executivo moderno. Com Ricardo é bola na rede.

    Parece que estamos num outro patamar cognitivo ou a imprensa do mundo dos negócios ainda é feita para leigos e não passa daquelas velhas considerações e "conceitos" encaixotados como receitas de sucesso. E assim caminha a mediocridade do mundo empresarial.

    Grande abraço!
    Adriano Berger

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  2. Adriano, meu amigo, mais interessante é que você escreveu o comentário enquanto eu estava relendo o texto, apesar de já publicado. rsrsrs
    Você e eu não estamos sozinhos, não; acredite. Há cabeças que pensam.
    Concordo com você que a imprensa do mundo dos negócios no Brasil ainda é, sim, feita de velhice, receitas de bolo da vovó. Mas isso talvez por estarmos num país de 3º mundo (não é porque o "Brasil está na moda no exterior" que faz dele um país em desenvolvimento). Na europa, o povo não pensa assim. Sabe por quê? Porque lê. Se informa e não há muito espaço para manipulação de idéias.
    Abraços

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  3. A propósito, não precisa acreditar em horóscopo... Eu sou peixes com ascendente em áries. É esse lado ariano que me faz "petulante, atrevida e ousada" assim. E minha mãe me ensinou que isso tudo era falta de educação. Mas eu não vou morrer asfixiada por não falar o que está bem debaixo do meu nariz e com a plena certeza de que está errado e prejudicando os demais.
    Acredite, isso é péssimo para quem pretende se manter no mercado de trabalho até se aposentar, pois só sobrevive quem fecha os olhos para os conchavos, conluios e tramas de "backstage", pois, obviamente, eles não visam à justiça ou ao bem comum. A mim resta o consolo de, apesar de morrer com o nariz de palahaço, eu não passei por este planeta em vão, e estive acompanhada nas idéias, por gente como você e até Rui Barbosa.
    Abraços

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